O
Sagrado
(trechos
selecionados)
Nilton
Bonder
SAGRADO
X SEGREDO
A
substituição da noção de sagrado por segredo é uma maneira de
capturar as idiossincrasias espirituais de nosso tempo.
A única
palavra que tem uso exclusivo na religião e na espiritualidade é a
palavra “sagrado”. Não há qualquer outra matéria do pensamento
humano que utilize tal palavra. Não pertence à filosofia, à
sociologia, à literatura, à ciência em geral, à psicologia ou à
jurisprudência. Significa que algo é “colocado à parte”.
Sagrado significa algo que está fora, que permanece fora, separado.
Tal como um óleo transcendental, o sagrado não se dissolve e não
se mistura ao mundano. Jamais o ser humano experimentará o sagrado
na rotina e na usualidade, mas será uma instância que permanecerá
isolada, diferenciada das demais.
A
percepção e a celebração do sagrado rendem ao ser humano acesso e
representação no imortal. Mesmo que não sejamos imortais, o
imortal nos perpassa. Sua vizinhança já basta como resgate, auxílio
e salvação.
(...)
Transvertido
de oculto, o segredo é o desejo por clareza, por manifestação
daquilo que é imanifesto. Essa tentação que já vestiu muitas
roupagens em distintas épocas ganha hoje o estilo do consumo, dos
ideais capitalistas e do individualismo. (...)
Daí a
motivação deste livro de contar um antigo segredo, um segredo sobre
o segredo, e que restaura ao oculto sua dimensão sagrada.
O
SEGREDO DO SEGREDO
Desde tempos imemoriais
o ser humano acredita na existência de algum segredo ou alguma lei
universal que lhe permita desfrutar de riquezas, poderes, sabedoria e
sucesso: riquezas que saciem o corpo com conforto e prazeres; poderes
que garantam suas vontades; sabedoria que mantenha sua supremacia; e
sucesso que estabeleça ao mundo o quão especial se é. Em outras
palavras, um segredo que explique certas trajetórias vencedoras e
outras perdedoras.
(...)
O
segredo não é a chave para resolver problemas, é na verdade a
fonte dos problemas e a causa das maiores distorções que fazemos ao
tentar entender a vida e a realidade a nossa volta.(...)
Conta-se
a história budista de um querido mestre que veio a falecer. Os
incultos se puseram a chorar copiosamente pela perda do estimado
líder. Os neófitos que tinham acesso à tradição (ao segredo) não
choravam. (...) Já os verdadeiros sábios, os mestres mais
experientes, estes choravam pelo falecimento do líder. (...) Há uma
tristeza legítima na passagem de um companheiro querido. O choro se
fazia acompanhado do conhecimento de que não se tratava de um
término total. Não reconhecer que estavam diante de um fim seria
uma ilusão. O segredo é que ele não morreu; o segredo do segredo é
que ele morreu sim, mas não como as pessoas entendem a morte. (...)
Nos
“segredos” que a cultura e a tradição propiciam é que se
encontram as maiores armadilhas ao discernimento. Enquanto não se
conhece o segredo do segredo, o sagrado, não se dispõe de um
antídoto a esses vírus que nos aprisionam em labirintos de verdades
particulares e miragens da realidade.
O
segredo não é o acesso a uma obviedade desconhecida.
O
verdadeiro segredo é o “oculto do oculto”, é aquilo que
justamente a obviedade não permite enxergar. Sua simplicidade é
sofisticada porque sua distinção não reside no fato de ele ser
algo diferente do que realmente é, mas sim na forma como é
percebido por quem o conhece. Morte é morte e vazio é vazio. O
segredo quererá fazer da morte algo que não é morte e do vazio
algo que não é vazio. O segredo do segredo, o sagrado, tem o poder
de nos resgatar de volta ao que é real redimindo-nos de um engano
tão sedutor. Quem desconhece o segredo apenas vê; quem conhece o
segredo, fantasia; e quem tem acesso ao segredo do segredo, ao
sagrado, ganha visão ampla.
A
VERDADEIRA LEI DO UNIVERSO
O mais
importante de todos os segredos dos segredos diz respeito ao nosso
próprio ser.
O
inculto diria que somos apenas mais um ser entre um número
incalculável de seres espalhados num universo infinito. Nossa
magnitude, nosso tempo, nossos sentidos, nosso poder, nossa sabedoria
e tudo mais são insignificantes.
O
antropocentrismo – o homem como eixo do universo – coroado pelo
individualismo – a minha pessoa no centro do humano – é a
plataforma mais delirante pela qual enxergamos a realidade.(...)
Assim
sendo, o sucesso seria imposto pelo próprio ser humano a despeito do
meio ambiente. O rico fica mais rico porque detém esse segredo; o
pobre fica mais pobre porque carece desse segredo. O fiel a qualquer
sistema de segredos é abençoado enquanto o infiel é amaldiçoado;
para um, a salvação e para outro, a danação. (...)
O
segredo do segredo, no entanto, retorna ao lugar do inculto e pega
emprestada sua visão. O ser humano e seu pensamento realmente não
são onipotentes, muito pelo contrário, grande é sua
vulnerabilidade e sua ignorância. Porém, o ser humano que conhece a
pequenez de si e de sua vontade é um gigante. É sem dúvida
impressionante a grandeza de um ser que pensa e que consegue não se
colocar no topo de nenhuma cadeia ou pirâmide. Há nobreza no
pensamento que não se enreda em autovalorização e autoglorificação
e se submete a uma incessante auditoria para não se corromper por
seus próprios desejos. Não somos especiais e esse é o segredo do
segredo. (...) Não é pouca coisa ser dotado de inteligência e
consciência e não se asfixiar no próprio ego.
Nesse
lugar tão digno e apropriado o ser humano redescobre o fato de “não
ser especial” como uma conquista gloriosa e libertadora. Com essa
consciência, podemos falar com o universo, com Deus. É este “eu”
feito de delírios produzidos por segredos que ofusca a possibilidade
de se ver Deus e de se perceber a realidade com mais lucidez.
(...)
Saber que nosso pensamento pode produzir o delírio proposto pelo
segredo e que podemos ter maestria sobre nossas alucinações revela
nosso verdadeiro tamanho. Não ser nem mais nem menos é uma potência
inigualável. Ninguém é mais poderoso do que aquele que se é
plenamente, não permitindo que sua insegurança lhe impeça de
ocupar seus espaços e que sua arrogância fantasie jurisdições que
não lhe competem.
Só o
humilde sabe pedir. Só o humilde conhece a nobreza de saber adequar
a si e seus desejos ao mundo que o rodeia. Seu território
prioritário de controle está em si mesmo.(...)
Enquanto
o segredo seduz com a possibilidade de ter e atrair tudo o que
queremos, o segredo do segredo questiona a satisfação do desejo
como a fonte absoluta de bem-estar. E não foram poucas vezes que
como rabino vi pessoas que, ao receber o que pediam, se defrontaram
com a mais terrível das maldições.
Vencedores
que acham que têm “estrela” e perdedores que se vêem
perseguidos por sua má vibração: saibam que estão tomados por uma
mensagem subliminar. Em ambos, (...), está implantado o segredo de
que são especiais. O segredo não é incorreto, mas enganoso.
Far-se-ão especiais quando reconhecerem (como vê o inculto) que não
são especiais; ganharão então a visão para perceber que como
“não-especiais” ocupam seu lugar mais diferenciado e nobre.
A
BÊNÇÃO E A MALDIÇÃO
Um episódio bíblico é
fundamental para compreender o que é uma bênção e o que é uma
maldição. (...)
O relato
encontra-se no livro de Números XXII, Ali aparece a figura de BaLaK,
talvez um dos primeiros a descobrir o “segredo”. (...) Para
ter-se o gostinho do simbolismo presente no arquétipo de BaLaK,
entenda-se que as letras do seu nome são uma inversão ou uma
confusão das letras KaBaL, a raiz da palavra Cabala. Balak é a
contramão da Cabala, é um segredo que é a própria armadilha no
caminho da sabedoria. Cabala (KBL) tem sua raiz na palavra “receber”.
Sim, a lei da atração funciona porque aquele que se posicionar na
vida “receberá”. Mas o segredo do segredo é que receberá
bênçãos e não desejos atendidos.
A
MÁGICA E O SUBLIMINAR
Balak e
Bilam não conseguem atrair o que desejam apesar de se concentrarem e
pedirem intensamente ao universo. A noção de que “seu desejo é
uma ordem” é totalmente desqualificada. (...)
Esse
relato bíblico tem como propósito maior colocar a questão da
magia, do encantamento que se pode gerar em torno de alguém ou de um
grupo. Esse encantamento positivo se denomina bênção, o negativo
de maldição. No entanto, confundimos a questão da “magia” com
a da “mágica”. A mágica pressupõe justamente o segredo: como
modificar o mundo de tal maneira que ele se conforme a minha vontade.
O segredo do segredo, por sua vez, é o caminho de se aproximar da
magia sem recorrer à mágica. (...)
Não há
mágica em Israel. Entenda-se por mágica a proposição subliminar
de que “eu sou especial”. A mágica é sempre o instrumento para
afirmar o quão especial alguém é em detrimento de outrem. Mesmo
quando o que queremos não está em oposição a ninguém, a imagem
subliminar de que podemos acessar algo que tantos outros não podem
nasce de uma percepção de “segredo” ou de algum direito
exclusivo que se tenha. E para que haja exclusividade, alguém ou
muitos deverão estar excluídos. Não há como ser especial sem
evocar supremacias sobre outros ou vantagens sobre situações. O
segredo é mágico, sempre. O segredo do segredo é a busca do lugar
da benção, que é um território sem manipulações e sem
feitiçaria. (...)
Quando
os senhores inicialmente propõem que Bilam amaldiçoe, ele consulta
Deus, que o proíbe. Quando na segunda visita os senhores mais
influentes prometem “honrá-lo muitíssimo”, ele responde
dizendo: “Ainda que me desse Balak a sua casa cheia de prata e
ouro, ...” (...)
...Os
comentaristas sagazmente percebem uma outra forma ainda mais
dissimulada de contaminação subliminar. A própria formulação de
Bilam conteria essa subjetividade. Quando alguém faz uma explanação
relativa a uma impossibilidade não usa o frasear de Bilam. Por
exemplo, ninguém diria “mesmo que me dessem uma casa cheia de ouro
eu não voaria”. Se voar é uma impossibilidade plena, não há
razão para evocar a imagem de uma casa cheia de ouro. Simplesmente
não é possível e ponto. A formulação de Bilam, portanto,
apontaria para uma possibilidade dissimulada. Onde ele diz “não há
preço”, leia-se em seu coração, “sim, há preço”. Sem
imaginar-se traindo seus valores e convicções Bilam já está
tentado pelos desejos e pela percepção de ser especial. Isso tudo
acontece por se dar voz aos desejos. Se eu quero e a lei da atração
torna tudo possível, então não há interdição definitiva. Deve
haver algum jeito, alguma mágica, algum segredo que possa contemplar
meu desejo, basta encontrar o caminho.
O
DEUS ADULTERADO
Quando
Bilam fala com Deus pela segunda vez, Deus parece estar diferente. Na
primeira noite Ele o havia proibido de acompanhar os senhores de
Moab. Já agora permite que considere a questão, como se o texto
propositalmente aproximasse o teor da fala de Deus ao desejo de
Bilam. Essa aparente sintonia talvez revele ironicamente uma
propensão ao auto-engano. Transparece o interesse sub-reptício do
mago em realizar o trabalho para o qual buscam comissioná-lo. Seu
discurso diz que só fará o que Deus lhe disser, mas parece que seu
desejo exerce influência sobre a palavra divina. Deus se mostra mais
flexível à vontade de Bilam. Talvez seja a lei da atração? “Seu
desejo é uma ordem ao universo” parece ser a expectativa de Bilam
que gradativamente conforma Deus ao seu querer. (...)
Bilam
está iludido pelo segredo. O segredo nos faz achar que o universo se
acomodará a nós porque somos “especiais”. A impossibilidade
inicial que Deus aponta não interessa a Bilam. Seria tão melhor se
houvesse um jeitinho! “E quem disse que não?”, sussurra o
segredo. Bilam não percebe que esse Deus lhe está aparecendo de
forma distorcida, como um fantasma corrompido pela força
gravitacional do seu desejo. Essa, sim, é uma lei universal da
atração: tudo que passar perto dos nossos desejos tenderá a se
corromper, conformando-se ao nosso querer. (...)
Funcionaria
se este Deus adulterado não dissesse também: “mas somente a coisa
que te direi farás”. A realidade quando deturpada e corrompida
pela força gravitacional de nossos desejos cede até um certo ponto.
(...)
Essa é
a maior tragédia de quem vai se deixando dominar por seus desejos.
Lentamente se estabelece uma distância entre essa pessoa e Deus. A
fala de Deus não será mais confiável como uma voz independente à
nossa consciência. Não será mais uma supraconsciência, mas o
artifício do ventríloquo que reproduz o próprio desejo dissimulado
na voz divina. Esse Deus particular que bajula a vontade dizendo
“sim” a tudo o que eu quero representa (...) a distância
derradeira de Deus, seu ocultamento definitivo, o caminho rumo à
mais profunda solidão. (...)
Deus
será sempre o intermediário entre a consciência e a realidade.
Quem perde esse mediador entra no labirinto de sua própria
realidade. Não encontra mais saída para o mundo real e todas as
suas vivências parecerão sempre um grande mistério. Por vezes, o
segredo funcionará com clareza e reforçaremos nossa fé em sua
eficiência, por vezes não funcionará e tentaremos buscar
explicações do tipo: “não me concentrei o suficiente”, (...).
Assim as explicações nos colocarão cada vez mais num lugar cego,
tentando remontar a realidade de acordo com nossos delírios.
Sem Deus
caminhamos desorientados. Ensurdecidos e ofuscados pelo desejo
sucumbimos à lei da atração máxima e cavamos para nós um buraco
negro existencial. Implode-se a realidade perante esse Eu máximo e
tudo que orbitar suas cercanias será tragado pela lógica única que
explica o mundo pelo querer.
O
DESEJO E A PERDA DOS DONS
Após
ouvir Deus dizer-lhe para ir com os senhores de Moab, Bilam selou sua
jumenta e se preparou para partir. Diz então o texto: “E
acendeu-se a ira de Deus porque ele se ia: e pôs-se um anjo do
Eterno no caminho para impedi-lo”.
Por que
se zangaria Deus? Não havia permitido que ele os acompanhasse?
Talvez
porque, como dissemos, a escuta de Bilam não seja uma reprodução
fiel do que Deus lhe diz. O profeta Bilam estaria perdendo a
capacidade de compreender e de ouvir Deus. Sua consciência estaria
falando alto demais e sufocando qualquer outra escuta. Diz-se que a
fala de Deus é uma voz delicada e sussurrada. O desejo, quando fala,
traga qualquer outra escuta revelando a verdadeira “lei da atração”
que captura e cativa tudo o que não se quer ouvir.
O anjo
representa o impedimento, a energia da vida que não subscreve a
nosso desejo. Sem o aval da vida nosso desejo não vai longe e não
se transforma em benção. E esse aval ao desejo não é automático
e incondicional. (...)
Saber
ver esses momentos em que o desejo não pode nos conduzir é
fundamental. Mais ainda, é essencial que neles não vejamos somente
a realidade e seus anjos, mas que tenhamos visão. Visão de por que
os caminhos não se abrem. E, na maioria das vezes, não o fazem
porque não pedimos ao caminho que se abra, não o convencemos e não
o seduzimos para tal, simplesmente lhe impomos como se dispuséssemos
de tal poder. O caminho se arranha em nós, suas paredes atritam com
a nossa pele e nos inflige feridas. E a pior das chagas do caminho
bloqueado é a perda de nossos dons. (...)
Para nós
humanos a fatalidade não existe, o que, sim, existe é a
intolerância aos caminhos bloqueados e a intransigência do desejo
que cegamente chicoteia o destino querendo se impor. (...)
Quão
maldito é aquele que só escuta sua própria voz!
A
verdadeira benção é continuar a escutar vozes. E quanto mais
dissonantes de nosso autoritário desejo, mais abençoados somos. Não
resistir a si mesmo e à tendência de maquiar a realidade com os
cosméticos do quão especial se é, irrita e convoca anjos ao
bloqueio de nossos caminhos. (...)
Quem
insiste no que não consegue ou quem consegue pensando que a benção
é uma extensão apenas do seu querer, perde dons. Satã impedirá
que se vejam os anjos do caminho e só restará uma jumenta para
conhecer a realidade. Essa jumenta será um destino que poderá
ganhar voz e, assim, fazer com que se desperte do torpor. Será uma
jumenta de doença, por exemplo, que gritará ao ouvido: “Idiota,
você não vê que não há passagem por esse caminho? Pare de me
espancar e abra os olhos para que eu, jumenta-destino, não tenha que
abrir a boca e falar!”
Devemos
enxergar os limites e as passagens. Sim, há o que é alto demais
para se ir por cima, o que é baixo demais para se ir por sob e o que
é vasto demais para se passar ao largo. Quando isso acontecer, em
vez de tentar e tentar, em vez de ficar agressivo, repense sua
jornada e seu empreendimento. Não se guie pelo desejo, mas faça-o
transitar pelas sendas desimpedidas. Para tal, serão necessários os
dons e a voz de seu Deus. Quanto mais desejo, menos dons; quanto mais
desejo, menos escuta; quanto mais desejo, mais destino.
COMO
AS SEMENTES JUNTO À ÁGUA
Não há
maldição maior do que perder seu Deus. Essa não é uma afirmação
religiosa, crente. Equivaleria a perder a esperança ou a fé pessoal
em linguagem laica. Quando a voz interna que fala por meio de sonhos
e projetos é sufocada por desejos e por suas subseqüentes
desilusões, perdem-se a ingenuidade e o elã que são
imprescindíveis. Para onde quer que se corra ou se olhe, lá está o
desejo. E não bastará saciá-lo no momento, porque o desejo está
sempre mais preocupado com a preservação de sua potência do que
com a própria experiência de usufruir sua realização. Este é o
custo satânico do desejo: obstruir a benção da satisfação e da
plenitude. O governo do desejo é sempre marcado pela maldição da
carência e pela dependência total do querer. Só o que tem origem
no querer nos atende. Não há espaço então para que se cogitem o
mimo, o afago ou o cuidado para conosco, como se o indivíduo fosse a
única fonte capaz de brindar-se presentes. Com isso decretamos o fim
da surpresa, da graça, do encanto, do favor, do obséquio e da
delicadeza.
Quando
percebo que consigo algo do universo utilizando apenas de meu querer
elimino a possibilidade de que o desejo tenha origem de um estímulo
externo, produzido fora de mim. Com isso abro mão de uma outra fonte
de quereres, essa sim, inesgotável, cuja dádiva maior não está na
experiência de ter saciado os desejos, mas na garantia de que se
farão manifestos. (...)
Bilam
define a bênção na explicação: “sua prosperidade será como a
semente junto às águas”. Essa imagem evoca um potencial que enche
os olhos. Não se trata apenas da semente e sua virtual capacidade de
fazer nascer, mas do fato de estar nas cercanias de condições
propícias para que isso possa acontecer. Conjugar possibilidades
internas e externas é o que chamamos de bênção. Diferente do
desejo e seus segredos que não aceitam interagir com outros desejos
ou se submeter, mas cuja essência está em impor e exigir. A semente
não faz nascer sem a vontade da água e nem tudo a nossa volta tem
essa mesma vontade. A prosperidade está no casamento de vários
potenciais. Esses potenciais, no entanto, não são desejos. Eles se
semelham e se camuflam de desejo, mas são na verdade bênçãos. A
diferença sutil está na origem de onde brota – o desejo nasce da
semente que quer germinar, a bênção nasce na dádiva da água que
encontra o potencial da semente e o desperta. No primeiro, o desejo
pertence ao indivíduo, a um item independente; no segundo, é um
encontro de potenciais. A atração não é um poder que faça
acontecer o que eu quero. A atração se dá entre potenciais que se
completam. Tal como o masculino encontra sua função no feminino,
tal como a carga negativa encontra atração na positiva. Atrações
e repulsões nunca nascem em um único item que as impõe, pelo
contrário, elas são interações que só podem se dar no espaço
“entre” e nunca “em”.
Lindo
não é ver a semente. Lindo é ver a semente junto à água. Ou, em
outra etapa, vê-la flor ou fruto.
FUGINDO DA EMBOSCADA
Realmente
há algo de caricato em ser o “melhor”. Há algo de grotesco
neste superlativo indivisível cujo sintoma se manifesta em inchaço
e vaidade. No entanto, ele revela o segredo. Eu sou especial. Eu me
sinto especial porque nas cercanias da minha pessoa o universo se
torna curvo e sua realidade é distorcida pelo meu querer, pelo meu
ser. Todo organismo cuja função é administrar seu funcionamento e
sua vida não tem como evitar o seu maior comando interno que é se
preservar e se privilegiar a todo custo. O efeito contínuo desta
tarefa gera nesse organismo uma consciência desta importância. Em
si ela não é ilusória, é percebida e vivida por toda uma vida
como algo inquestionável. De certa forma é até perigoso e
contraproducente para um indivíduo não se perceber desta maneira.
(...)
É
verdade que o mundo atende demandas e oferece enormes possibilidades,
mas isto acontece também num mundo onde as pessoas adoecem e morrem,
onde são mortas, onde são injustiçadas. Um mundo onde o
atendimento de tantos pedidos é acompanhado de tantos não
atendimentos. Em que vencer ou se impor representa um estado
momentâneo e não uma natureza do indivíduo. O indivíduo, porém,
é como uma semente, que plantada junto à água estará diante da
bênção.
Ser
especial sem se afastar da realidade é a máxima qualidade de vida
que um indivíduo pode usufruir. E para gozá-la é fundamental
reconhecer que se é o “melhor”, sem se perder a referência de
que se é nada. Para os sábios isso é o mesmo que conciliar as
seguintes sentenças: “para mim o mundo foi criado” e “pó sois
e ao pó estais destinados”. (...)
Quão
incrível o potencial que existe nesse e naquele e também naquele
outro. Todos especiais e melhores; todos ordinários e triviais.
Todos plenos de potencial, mas o querer, a lei da atração, está
fora deles, está entre eles. Não enxergar isso nos faz cegos como o
profeta Bilam. Ficamos insensíveis aos anjos do caminho. (...)
Essas
vontades que abrem e bloqueiam caminhos são as que precisamos ver.
Dessa visão depende a capacidade de nos colocarmos junto à água e
germinar. Quem não se acha o melhor vê caminhos abertos e caminhos
bloqueados e atribui isso ao acaso. Quem se acha o melhor enxerga os
desejos presentes na vida, mas acha que são os seus. Ofuscado pelo
querer, os toma como pessoal e não vê os anjos que representam as
bênçãos e as maldições, o que se abre e o que se fecha aos
potenciais. Já quem sabe ser especial e o mais comum, tem visão
para enxergar os anjos que incentivam e os anjos que desembainham
espadas.
TENDAS
E MORADAS
(...)
Cada indivíduo constitui uma manifestação pessoal e fugaz (uma
tenda) ao mesmo tempo em que é expressão de algo maior, de uma
identidade mais perene, tal como ser parte de uma tribo, de uma
espécie, de um gênero, ou da vida como um todo. Temos que ter visão
não só de nossas tendas, mas também de nossas moradas. Só assim
podemos usufruir sua beleza e compreender não só o segredo de quão
belas são as tendas, mas o segredo do segredo de quão belas são as
tendas em função de suas moradas.
As
pessoas incultas reconhecem a vulnerabilidade da vida. Vêem suas
tendas e pensam consigo: “Quão frágil, quão efêmera!” Já as
pessoas que conhecem segredos percebem construções mais perenes da
existência (moradas) e comumente as transformam em imunidades. Não
é raro que se percebam tendo “uma boa estrela” ou um “anjo de
guarda poderoso”, que simbolizam certas garantias e expectativas de
regalias para com a vida. Nesse lugar estão os que desenvolvem
valores e comportamentos específicos da expectativa de retribuições
e prerrogativas especiais.
Aos que
conhecem o segredo do segredo, a percepção ganha perfis semelhantes
ao inculto. Sim, a vida é profundamente efêmera. Uma citação do
Talmud diz: “Vive a tua vida hoje como se fosse o último de teus
dias.” Para que salte aos olhos a beleza de uma “tenda” é
fundamental que ela tenha sido montada com a sensibilidade de seu
caráter passageiro. Sua qualidade maior é o desprendimento e a
coragem de se manifestar como algo do momento, sem pretensões de
permanência. A paixão e a delicadeza são formas de “tendas”.
As ideologias, a caridade, a liberdade e a criatividade se estruturam
como “tendas”, concebidas para dar conta do momento e de suas
provocações. Quando vemos algo assim, desprendido da necessidade de
permanência, reconhecemos a beleza e condições para a bênção.
Ao mesmo
tempo, a “morada” é a outra coordenada fundamental.
Quando
entremos no ônibus sentei junto a esse homem e lhe perguntei: “Então
o senhor é o mais idoso de todos... qual é o seu segredo? Qual a
fórmula da juventude?” Ele imediatamente respondeu: “Meus filhos
acham que eu sou louco. Faço planos como se não fosse morrer nunca.
Realizo investimentos para daqui a vinte anos e faço meus projetos
para médio e longo prazo. Sabe o que é? É que o Criador pode me
levar a qualquer momento... isso é problema Dele, o meu é fazer
planos. A minha parte é fazer meus planejamentos e isso eu faço.”
A
juventude está na percepção da qualidade das “moradas”. O
jovem tem essa sensação de permanência como um dado e se vê
diante de um futuro que parece inesgotável. Servir a este futuro é
de uma alegria incomensurável. Porém, o ancião que não cai na
armadilha de ser escravo apenas de desejos e vive coletando bênçãos
também se vê como parte de um projeto, mesmo que o futuro de sua
vida pessoal seja breve. O senhor em questão faz planos não para
que eles se realizem e possa colher seus frutos. Ele planeja o futuro
porque sua parte, sua função, sua tenda não perdem contato com as
moradas. O que lhe permite fazer projetos é se sentir parte de um
projeto maior.
ISOLANDO
O VÍRUS DE BILAM
(...)
Está muito enganado quem pensa que a maldição do inimigo
representa a sua bênção, ou vice-versa. O abençoado não será
amaldiçoado e o amaldiçoado não será abençoado. Não há
intervenção possível na bênção porque ela não é relativa a um
terceiro. Ela se origina e se consuma numa interação que é
absoluta e não há olhar ou força maligna que modifique isso. (...)
(...) O
outro não diminuirá a sua bênção, ao contrário, a ampliará. A
bênção não diminui quando repartida, mas surpreendentemente se
reforça e se propaga. A bênção contagia e não se fragmenta.
(...)
Ao
perceber que a bênção se dissemina no outro descobrimos aspectos
de interdependência e nosso espírito se faz humilde. (...)
É essa
alma generosa que ganha ofertando, que aufere ao se desprender e que
recebe ao repartir que se torna abençoada. E ninguém a poderá
amaldiçoar porque não se trata de tirar algo dela, mas impedir que
ela produza algo em si mesma. A fonte da bênção não é uma coisa,
um desejo, que se possa privar, mas nasce no próprio ser sobre quem
ela se confere e os seus recursos não lhe são externos, mas
internos.(...)
KaBaLa
X BaLaKa
O
segredo é que somos especiais. O segredo do segredo, no entanto (e
que isso não se conte a ninguém), é que não somos especiais. As
bênçãos conspiram para nós, mas os desejos não. As sementes
plantadas junto às águas representam um potencial que não está
presente apenas no mundo natural. Esse potencial da “semente junto
à água” não é uma proposta exclusivamente concreta ou racional,
onde o máximo de mistério que se aceita está na poética; não é
uma expressão de quem só reconhece o sólido ou o real visível. É
preciso visão para enxergar o encantamento, as belezas de tendas e
moradas, de anjos que abrem e fecham caminhos, para entender que o
segredo do segredo do que se vê é que tudo é repleto de magia fora
da plataforma de privilégios e concessões que tanto nos seduzem.
(...)
Mas sim,
é verdade: tudo muito encantador e muito cheio de beleza. Sim, é
tudo cheio de encanto sem que sejam dados privilégios para
encantamentos. Sim, é tudo repleto de exceções e de novidades, de
descontinuidades e paradoxos, mas nada disso está a serviço do meu
querer. Que existam gatos com poderes e toda a sorte de magos serve
ao propósito de me fazer “especial”. É vírus, o parasita que
se nutre da meia-verdade de que sou especial. Sou especial, não
porque essa é minha essência, mas porque junto à água experimento
o quão fantástica é a realidade, aquilo que é sem ter que
recorrer ao que pode ser, e ganho visão e escuta. Visão para ver os
anjos que labutam incessantemente para manter algumas passagens
abertas e outras fechadas. Anjos incorruptíveis com suas espadas
desembainhadas em todos os acessos deste universo. Escuta para não
perder o dom de ouvir a voz de Deus. Uma voz cuja natureza está na
interdição, no apontamento de nosso limite, na demarcação de
outra Vontade para além da nossa individual.
(...)
Saia do lugar de rei, de querer usar o universo e suas exceções
para se beneficiar de um lugar que não é seu. Isso tudo não por
conta de uma moral, mas da noção de desperdício, do pecado de
anular seu verdadeiro potencial e de empobrecer o jogo de seus
sentidos e estratégias inerentes. (...)
BaLaKa é
a bruxaria que rouba a fé e institucionaliza cosmicamente a mordomia
e o privilégio.
A KaBaLa
é outra coisa. É algo que sussurra ao ouvido desagradáveis
notícias ao nosso desejo, contrariando suas aspirações. Sua tônica
não está em prevalecer, mas em aprender e servir. Sua tônica e sua
beleza se expressam não em sucesso, mas em alicerce para a formosura
de tendas e moradas, de frutos e sementes, de presentes e futuros. A
KaBaLa não produz magos, gurus, celebridades ou reis de qualquer
ordem. Ela conecta o que antes era desconecto, ela alenta com o
fantástico a crença e não a certeza. Ela expõe a coincidência
para promover a confiança e não a manipulação. Ela propõe o
impossível como ferramenta para fomentar a fé e não a soberba. Ela
oferece para quem não demanda, ela disponibiliza para quem restringe
o seu desejo.
O
CÍRCULO VICIOSO
O outro
vírus muito comum e que se implanta em nossos objetivos é o de
“querer mais”. Disseminado desde a infância e proeminente no
ambiente de consumo da vida moderna, é um dos mais difíceis de ser
“eliminado”. Ele nos chega pelas mensagens mais confiáveis, da
mãe, do avô, da professora, do líder espiritual e não há
bloqueador realmente eficiente a essas mensagens subliminares. Então
devemos proceder com este vírus como com qualquer outro para o qual
não há proteção total e eficiente. Devemos checar constantemente
as áreas que possam estar infectadas. (...)
Querer
mais é um looping, um círculo vicioso na lógica interna de nosso
pensamento. Imaginamos que a nossa salvação, ou seja, o triunfo de
nosso interesse sobre outros interesses do universo, aconteça no
território do “mais”. O exemplo principal é nossa relação com
a vida e com a expectativa de longevidade. Trabalhamos com a premissa
de esticar a vida pelo maior período possível. É claro que esse é
um interesse do próprio corpo humano ou de qualquer organismo. E é
aqui que está o problema. O vírus só se instala onde já há uma
lógica original, de fábrica, na estrutura mais básica. (...)
Imagine
a força que teria um vírus presente no sistema de preservação da
vida, encravado em todo o sistema de sobrevivência de um indivíduo,
se enganchasse sua ordem de “mais” em áreas tão vitais. Seria
semelhante ao crescimento de um tumor que nos mata com o próprio
material que dá a vida. Sim, porque é com células que o câncer
mata um indivíduo cuja compleição é toda ela de células. É o
descontrole de “mais” em áreas que desde sua origem funcionam
com a incumbência de se multiplicar, crescer e restaurar que
implicará o grau de malignidade.
COMO
FUNCIONA A CONSCIÊNCIA
A
tradição cabalista diz que temos dois tipos de consciência: uma
Mente Estreita e uma Mente Ampliada.
A Mente
Estreita contém as verdades básicas que inicializam qualquer
sistema. (...) Esta é a parte rígida da consciência. Seus sistemas
de segurança são enormes e fazem dela uma espécie de
“cabeça-dura”, que teima em reduzir e fazer convergir seus
comandos. Porém, como sói a tudo que é muito seguro, incorre no
risco de que uma vez rompida a segurança o invasor possa usufruir de
toda proteção que lhe é inerente para seus próprios fins.
A Mente
Ampliada, por outro lado, é mais livre deste aparato de segurança.
Ela depreende das relações com outros e com a vida os aspectos que
possibilitam releituras e correções constantes. O relaxamento nos
sistemas de segurança se deve a sua própria natureza, que é
interativa. Para interagir e se comunicar com o mundo, a Mente
Ampliada precisa trocar informações e percepções. (...) É
interessante notar que tudo que é mais flexível contém justo em
sua vulnerabilidade, na falta de rigidez e solidez, a sua potência
maior, tal como (...) o junco, que com sua flexibilidade figura na
sabedoria bíblica com mais capacidade de suportar vendavais que o
cedro. A imponência do cedro, com sua rigidez e suas muitas raízes,
se mostra frágil quando se faz necessária a maleabilidade.
Dobrar-se à vida é muitas vezes uma estratégia mais adequada do
que confrontá-la.
A Mente
Ampliada terá que muitas vezes vir em socorro à Mente Estreita
quando esta estiver infectada. A espiritualidade é em si o processo
de intervenção da Mente Ampliada em nossa Mente Estreita quando a
última está infectada por vírus. Caso contrário a Mente Estreita
e sua simplicidade estão no mesmo plano sagrado que a Mente
Ampliada. (...)
Esse é
sempre o problema de conceituar as coisas. A própria mente estreita
quererá restringir suas formulações a: “Quem é bom e quem é
mau? Quem vai de encontro a meus interesses e quem não vai?”.
Proporá então a própria Mente Estreita que ela é pequena enquanto
a Ampliada é melhor. Não, cada uma tem sua função, e o que
importa é que podem estar trabalhando errado, comprometidas por
algum tipo de vírus.
A Mente
Estreita é influenciada em grande parte por instintos. Ela será
responsável pela briga por sustento e preservação. O vírus mais
comum é o que se aloja nesta área de sobrevivência e sua
interferência gera a informação de que tudo é escasso. A
percepção de que há escassez e de que não há o suficiente para
todos produz o estímulo por acumular e obter mais. Os recursos são
finitos e as demandas infinitas. Nossa salvação acontecerá se
tivermos mais. Mais coisas, mais fé, mais poder e mais controle.
O
comando de “suprir” sofre uma perigosa mutação para o comando
“mais”. E “mais” passa a ser o foco de interesse. Não é só
o “mais” que acumula, mas também o “mais” que explica por
que as coisas não acontecem a nosso contento. Então o sonho não se
realiza porque tenho que colocar mais intenção, mais foco, mais
energia, mais fé. Adicionar preocupando-se em não subtrair passa a
ser o comando inconteste.
A lógica
se torna tão poderosa que apenas a intervenção da Mente Ampliada
pode fazer com que a Mente Estreita reassuma sua instalação
original. Caberá à Mente Ampliada impactar a Estreita com seu
conceito de que a verdadeira característica da vida é a abundância.
Sempre haverá o suficiente se estivermos livres do vírus, da
compulsão por “mais”. Esse processo de eliminação de vírus é
complexo.
Para
que a mente estreita aceite este tipo de intervenção a proposta lhe
deve ser apresentada ou traduzida em comandos simples, tal como:
“Você não quer mais!”.
BLOQUEANDO O MAIS
O sábio
Hilel revela algo importante: “mais” é uma intensidade e não
uma qualidade. As qualidades são medidas de equilíbrio enquanto que
as intensidades apontam o nível de atividade e magnitude que podem
ter tanto efeitos positivos como negativos. Se produzir mais isso,
terá que lidar com os efeitos de ter mais aquilo. Ou seja, na
maioria das vezes o “mais” gera complexidades que dificultam o
equilíbrio. A gíria moderna produziu um belo conselho às pessoas
que estejam vivendo intensidades demasiadas: “Menos!”. Na
verdade, “menos” é um santo remédio. (...)
Por
último, o “menos” emblemático é a generosidade. Ser generoso
é, em última instância, abdicar de “mais”. E quanto “menos”
nesse sentido, mais paz. Portanto, a paz é uma função do “menos”,
uma aplicação do “menos”. Só pode haver paz na contenção do
desejo de “mais” já que ele é o epicentro da noção de
carência que gera disputa e conflito.
PEDINDO
COM A MENTE AMPLIADA
Outro
lócus vulnerável da nossa Mente Estreita é a disposição por
pedir. Demandar é algo próprio da vida. Todos precisam de algo ou
alguém. (...)
Ninguém
duvida de que a demanda e o pedir são intrínsecos à existência
dos mortais. Essa responsabilidade de prover estas demandas recai
sobre a natureza, o meio ambiente, a espécie, a tribo e a família.
Pedir é realmente algo natural e próprio. Essa é a razão pela
qual o “segredo” se concentra em estimular o pedido e é
justamente aí que reside o perigo. O segredo entende equivocadamente
o ser humano, ser pessoal, como transcendente. Pessoalmente não
somos especiais. Só ocupamos esta posição quando anulamos o
pessoal e vemos surgir em nós algo que é transpessoal. É claro que
entender isso é difícil, razão pela qual existem tantos equívocos.
A Mente
Estreita pede. Ela está formatada para não ter nenhum
constrangimento nas suas demandas. Tudo que vem da Mente Estreita de
forma pura, sem a intervenção de vírus invasores, é pertinente.
Na verdade, a beleza da vida se expressa nas vontades e no querer que
emanam da Mente Estreita. Nada mais belo do que os apetites que são
as “tendas” mais arrebatadoras e a manifestação de qualquer
“morada”. Os vírus, no entanto, atuam justamente aí. Fazem a
Mente Estreita se perder na sedução do caminho e perder seu
objetivo. Para a Mente Estreita infectada, tal como para um
computador, não há erro de lógica e ela está pronta para comandar
a si mesma na direção mais destrutiva possível.
A Mente
Ampliada pode intervir neste momento e restaurar os arquivos
principais da Mente Estreita. (...)
ASPECTOS
QUÂNTICOS DO DESEJO
Sim, o
pensamento humano produz o destino, mas não o destino do lado de
fora. Trata-se do destino pelo qual vivenciamos internamente os
acontecimentos e circunstâncias externas.
O grande
equívoco do “segredo” é se preocupar em transformar o mundo
para que este venha a convergir para o desejo do indivíduo. Já o
sagrado tem outra interação com a vida. Ele não faz o contrário,
ou seja, não tenta adequar o mundo interior ao exterior. Isso seria
negar a legitimidade do desejo, seria fazer como muitas correntes
religiosas que apregoam a necessidade de entrega total a uma Outra
Vontade. Seria uma anulação do livre-arbítrio, da relação direta
e livre entre a consciência e o mundo a sua volta.
O mundo
não é relativo à vontade humana, e a vontade humana também não é
relativa ao mundo. Qualquer uma dessas propostas banaliza a vida.
Significaria a entrega desenfreada aos desejos a qualquer custo, ou a
submissão plena a desígnios externos, ou seja, que entre os dois só
pudesse haver uma relação de submissão. Porém, tanto os desejos
internos como os externos são absolutos e aqui temos um importante
ensinamento.
O
Talmude é claro ao dizer que os “pensamentos” e não as vontades
determinam o destino. Como lidamos com desejos, nossos pensamentos
permitem que modifiquemos o destino. À medida que conseguimos manter
nossos pensamentos livres da interferência de vírus e estabelecemos
um lugar “separado”, sagrado, para nossos interesses pessoais,
conseguimos encontrar a potência maior da autonomia e da grandeza
humana. Estes pensamentos são a nossa Mente Ampliada e eles
subvertem por completo a percepção que temos da realidade.
O
VÍRUS DA PRODUTIVIDADE
A Mente
Estreita reconhece que sua tarefa central é servir, não é esse o
problema. A questão é a quem servir. A vulnerabilidade se
estabelece nessa área da identidade. É aí que se produz um vírus
especificamente engendrado para se acoplar a essa vulnerabilidade e
ganhar forma como um interesse pessoal. E uma vez que a Mente
Estreita reconheça no vírus desse interesse pessoal o sujeito a
quem presta serviço, ela se entrega plena e incessantemente à
tarefa para a qual foi desenhada, que é gratificá-lo. (...)
Nossa
produtividade não é o fiel que determina quem está bem consigo e
quem está mal. Quando isso acontece é um sinal importante para uma
intervenção mais aguda em si mesmo. Não tente “produzir” mais.
Não tente inventar outras formas idênticas de se viver, formas
dissimuladas, maquiagem do mesmo. O sistema está comprometido.
O que
fazer? Com certeza não tente buscar um segredo por aí. Aliás, os
segredos e sua constituição viral estarão prontos para se amoldar
a essa sua fraqueza. Até porque um sistema moribundo se torna presa
fácil de outros ataques. E eles ocorrerão justamente contra a Mente
Estreita, tentando produzir para ela “verdades” constituídas de
“toques” que magicamente a colocarão de novo no topo de suas
aspirações pessoais. Isso é tudo o que você não precisa.
A busca
é pelo sagrado e não pelo segredo. A busca é por ativar sua Mente
Ampliada para que ela reconheça a diferença entre serviço e
produtividade. O primeiro, uma função transpessoal, o segundo,
pessoal. O primeiro leva a uma bênção que nunca é pessoal, sempre
mais uma identificação do que uma identidade, sempre mais o
processo do que a chegada.
A
PERVERSÃO DA REALIDADE
A
capacidade humana de auto-engano é espantosa.
Nossos
interesses pessoais conseguem perverter a realidade com tamanha
sofisticação que raramente nos damos conta das forças que
desfiguram evidências na tentativa de configurar o mundo ao nosso
querer.
Um
financista com grande experiência comentou que costuma ver seus
subordinados comentarem “eu falei que tal e tal ação ia subir”
ou que “tal e tal ação ia desvalorizar”. Ele se refere à
capacidade que as pessoas têm de esquecer as inúmeras vezes que
fizeram sugestões equivocadas. “As pessoas simplesmente não se
lembram dos episódios que depõem contra suas pequenas teorias
pessoais”, comentou. (...)
A famosa
“boa estrela” de um indivíduo é sinal da intensidade da Lei da
Tração. Essa percepção não é necessariamente algo negativo,
podendo muitas vezes revelar o grau de vitalidade e de auto-estima de
um indivíduo. Representa um parâmetro da atividade vital que em sua
intensidade produz um turbilhão que nos coloca no centro e faz tudo
convergir a esse lócus de vigor e veemência. O problema ocorre
quando desejamos fazer deste efeito visual uma lei universal
constituída de forças reais que conspirariam de fora para dentro.
Não se trata de uma atração, mas de uma tração.
As
ilusões são causadas por estas forças vitais tão essenciais à
vida. E algum grau de ilusão estará sempre atrelado ao que é vivo.
Um ser vivo que seja totalmente imparcial se fará indiferente a si
mesmo, algo que é no mínimo perigoso e pode se mostrar destrutivo a
um organismo. Mas tudo que é inteligente terá que se opor a sua
tendência orgânica de se privilegiar. Justo será sempre aquele que
é capaz de ir na contramão de seus interesses. Ninguém que se
regre por seus interesses conseguirá ser reto e probo porque os
interesses particulares não convergem para os interesses do todo.
(...)
Esse
olhar sem a Lei da Atração, reconhecendo a Lei da Tração, não é
o mesmo que a racionalidade ou que a oposição ao misticismo e à
espiritualidade. Essa é a grande confusão de nossos tempos: o que
se opõe aos segredos não é a frieza, o cartesianismo insensível
ou o ceticismo materialista, mas o próprio sagrado.
O
sagrado é aquilo que sagra e confere verdadeiro valor ao que é
detentor de mérito. Tudo o que conseguimos fazer, fugindo dessa
força constante da Lei da Tração, se faz separado e distinguido.
Tudo o que conseguimos colocar à parte de nossos interesses e
corrupções é sagrado. E sem esse lugar apartado de nossas ilusões
e adulterações sucumbimos ao desencontro subliminar e somos
engolfados por vertigens.
Reconhecer
essa terceira via entre segredos e racionalidades, entre excessos e
carências de sensibilidade, é sempre difícil. No entanto, esta
outra opção gera o sagrado em nossas vidas e sua lucidez espiritual
que nos situa no universo sem ter que distorcê-lo de forma
grosseira.
QUEM
É SÁBIO?
Aquele
que aprende de todos.
O desejo
por um “segredo” que me faça conhecer a sabedoria é uma trilha
equivocada. Diferente de um conhecimento que pode ser obtido e
possuído, a sabedoria é uma atitude que busca aprender do outro.
Ela não pode ser inferida ou deduzida, porque é decorrente da
experiência e da troca com o outro.
A
sabedoria reconhece relevos e sensibilidades que são próprios da
pluralidade, dos diferentes indivíduos e coisas que compõem este
universo. Ela abriga as diferenças e se identifica com as
similaridades e assim se faz sábia. (...)
Só o
outro pode nos instruir sobre as múltiplas facetas da vida. Por isso
não devemos voltar nossa sensibilidade para um segredo que se arvore
a encerrar em nós mesmos os mistérios. A resposta aos enigmas não
está na informação, mas na interação com a informação, o que
esta significa para o mundo em suas múltiplas possibilidades.
A tarefa
do sábio não é ensinar, mas aprender.
A tarefa
do sábio não é dominar, mas se render.
A tarefa
do sábio é não fazer uso de seu conhecimento, mas se livrar dele.
A tarefa
do sábio é enredar-se em perguntas, desvencilhar-se de respostas.
O saber
é transitivo, um gerúndio permanente, nunca se cristalizando em
passado. Então não há segredos, ou melhor, o segredo é que não
há segredos. Isso porque como pode haver um segredo se quem o sabe é
o outro, sempre o outro? Os segredos acabam por realizar o intento
contrário de nosso desejo de conhecê-los – eles ocultam e
interditam.
QUEM
É PODEROSO?
Aquele
que contém o seu ímpeto. Essa é uma questão importante no
discernimento entre “segredo” e “sagrado”. A palavra
“conter”, no sentido de dominar e sobrepujar, é em si o grande
ímpeto humano. É isso que os segredos buscam e o final de todo o
segredo não é a grandeza humana, a sua magia e a sua glória, mas a
sua fragilidade e sua pequenez. (...)
Então,
quem é poderoso entre os humanos? Aquele que sabe disso e controla o
seu ímpeto de achar que exerce o controle. A prática de conter este
ímpeto é a capacitação suprema de um ser humano. A incapacidade
de conter este ímpeto se manifesta por meio da irritação. E a
necessidade de um “segredo” para dar conta das adversidades da
vida, por sua vez, é efeito desta irritação que se traduz pela
impotência de que as coisas possam ser dominadas e expressas de
acordo com sua vontade.
Quem
necessita de segredos está tentando burlar a vida, corromper a
estrutura de bênçãos desse universo. E aí as coisas não
acontecerão como pretendemos. Como uma miragem, até acreditamos no
início que as coisas sejam assim, mas trata-se apenas de uma
armadilha. Uma cilada produzida pela possibilidade de delírios que
nos fazem projetar para fora de nós os cenários de nossa
imaginação. Podemos forçar a versão da eficiência destas
alucinações, mas mais cedo ou mais tarde os segredos não darão
conta da vida. A vida é sagrada. Algo tem que ser colocado à parte,
sacrificado não como uma penitência ou um sadismo, mas como uma
sujeição a um ímpeto que não é nosso. (...)
O ser
humano não tem poder algum, com exceção da possibilidade de
refrear seu ímpeto de achar que tem poder. Essa é a grandeza que
percebemos como sagrada. O momento sagrado é quando nos colocamos à
parte e negamos ser a fonte de poder do universo. E por ficarmos
externos a esta fonte, nos fazemos incluídos nela. Nesta inclusão
nos deleitamos com o sagrado que nos manteve separado, à parte, da
fonte do poder. O segredo quer nos incluir por direito, por
privilégio e por controle. O sagrado quer nos incluir pelo serviço,
pela bênção e pela renúncia aos pleitos de poder.
QUEM
É RICO?
Aquele
que se satisfaz com o que tem.
Esta não
é uma medida de quantidade, mas de qualidade. Não se refere a
atitudes de conformismo ou de ganância, que são relativas á
quantidade. O que se diz aqui é que a riqueza tem a ver com a
capacidade de absorver, de usufruir, mais do que acumular e coletar.
(...)
Satisfazer-se
com o que se tem não significa deixar de almejar e esforçar-se para
ter o que precisa. Porém, uma vez que os resultados desse esforço
se consolidam, devemos gozá-los como verdadeiras riquezas, não
caindo na tentação de compará-las com outras riquezas como é
usual no campo do poder.
A
experiência da riqueza depende da humildade, que é o sentimento de
sermos criaturas, de sermos parte de algo à parte da fonte. (...)
O
segredo, nesse sentido, estimula o desejo daquilo que falta. Não
deixe de buscar tudo o que falta na sua vida, apregoa
categoricamente. Sim, focalize em tudo que lhe falta e você estará
gradativamente ficando mais pobre. (...)
Comenta
o rabino Larry Kushner que os dois primeiros mandamentos são faces
de uma mesma verdade. De um lado “Eu sou Deus”, do outro “Não
deverás ter outros deuses diante de ti”. Como as chances maiores
são de que esses “deuses” sejamos nós mesmos, é como se essa
verdade estampasse de um lado “Eu sou Deus” e do outro “Você
não é Deus”.
Este
dizer da “boca” de Deus não é produzido nem por sede de
autoridade nem por temor à competição, mas como um direcionamento
fundamental para ajudar o ser humano em sua difícil caminhada pela
vida. (...)
Contentar-se
com o que se tem é a direção do enriquecimento.
Os
segredos que estimulam desejos de proporções divinas diante de
poderes tão ínfimos, empobrecem terrivelmente um indivíduo.
QUEM
É RESPEITADO?
Aquele
que respeita a todos.
O
respeito, tal qual a sabedoria, o poder e a riqueza, são bênçãos
e não brindes obtidos por privilégio. E como bênçãos são sempre
de natureza relacional. Fica-se mais sábio aprendendo com o outro.
Fica-se mais poderoso abdicando do poder sobre o outro ou sobre o
mundo a nossa volta. Fica-se mais rico respeitando os limites
impostos pelo mundo, onde a satisfação é uma medida entre um
sujeito e as possibilidades a sua volta. E da mesma forma acontece
com o respeito que só é conseguido por meio do respeito aos outros.
(...)
Tal qual
outros interesses humanos, o respeito não é uma aquisição que se
retém em si, mas algo que emana do outro. Diferente do que nos faz
crer nossa cultura, o que de mais importante existe para nós é
retirado do espaço coletivo e de nossas interações. Tudo o que nós
obtemos é por intermediação deste coletivo que propicia o
acasalamento de potenciais e fornece bênçãos. Tentar driblar esta
intermediação com pretensões de acesso direto, exclusivo e
privilegiado, é abrir mão da vida em troca de milagres,
coincidências ou mágicas.
EU?
NÃO, TU!
O rabino
Levi Itschak de Berdichev costumava cantarolar:
Por
onde vá – Tu!
Por
onde devaneio – Tu!
Apenas
Tu, Tu novamente, sempre Tu!
Tu!
Tu! Tu!
Quando
estou feliz – Tu!
Quando
estou triste – Tu!
Apenas
Tu, Tu novamente, sempre Tu!
Tu!
Tu! Tu!
Céu
– Tu!
Terra
– Tu!
No
começo – Tu!
No
final – Tu!
Apenas
Tu, Tu novamente, sempre Tu!
Tu!
Tu! Tu!
O rabino de Berdichev
revela assim sua prática espiritual mais importante. Trata-se do
escaneamento constante, incessante, da pasta principal onde os vírus
costumam se alojar, no “Eu”, no coração de nossas percepções.
Poderíamos
parafrasear cada uma das linhas de sua canção com a versão mais
corriqueira e comum ao ser humano, algo como: “Eu, Eu e Eu! Para
cima, Eu! Para baixo, Eu! No começo, Eu! No final, Eu! Apenas Eu, Eu
novamente, sempre Eu!”
Este
livro aborda alguns aspectos do perigo de trabalhar-se com uma
referência tão facilmente distorcida por vírus e resíduos e que
compromete o bom funcionamento de um sistema.
Não se
trata de uma proposta moral ou religiosa de abnegação e altruísmo,
mas verdadeiramente da preservação de nossa interação profícua
com a vida. (...)
Toda vez
que o “Eu” se apresentar de forma deturpada, os protocolos não
se encaixarão e as passagens permanecerão fechadas. E o querer
pessoal é quase sempre o código errado, a armadilha que não
conseguirá efetuar a tarefa proposta de forma eficiente. É esta a
sabedoria milenar que produziu toda a verdadeira espiritualidade.
Seja ela a judaica e sua ênfase no sagrado e na ética, seja ela a
cristã e sua ênfase no sagrado e no amor, seja ela a islâmica e
sua ênfase no sagrado e no servir, seja ela budista e sua ênfase no
sagrado e no desapego: todas visam libertar dos vírus do “Eu” e
despertar para protocolos que viabilizem as bênçãos.
Em
todas, o sagrado coloca à parte o pessoal e o sacrifica. Seja pelo
sacrifício do pessoal pela ética, pelo amor, pelo serviço ou pelo
desapego, todas reconhecem um eixo referencial que não é o “Eu”.
Todas rompem com a primitiva tentativa de corromper Deus – leia-se,
as vontades cósmicas que se impõe – para que Suas vontades
coincidam com a nossa. Esse Deus corrompido que não existe é nada
mais do que a projeção de nossos próprios vírus que tem como base
o gênio, aquele que serve a seu amo numa inversão total da
realidade.
NÓS
SOMOS UM MEIO NÃO UM FIM
Essa não
é uma má notícia. Assim como não é uma má notícia para a
borboleta que ela não seja um ser humano, também não é uma má
notícia para um ser humano que ele não é um Deus. Ser borboleta é
atingir o máximo da sabedoria, do poder, da riqueza e da glória que
lhe cabe. A qualidade de ser borboleta tem a mesma magnitude da
qualidade de ser um ser humano. A qualidade de ser plenamente um
humano tem a mesma magnitude de ser um Deus. Talvez nesse ato de ser
borboleta ou de ser humano nos incorporemos a Deus.
É
verdade que os humanos têm essa busca dificultada por sua
consciência (muito desejo e pouco poder) que a todo instante intenta
elevar o “Eu” à categoria de um fim e confunde a nossa
satisfação com a satisfação de um Deus.
Nossa
Mente Ampliada é o recurso para honrar a nós mesmos e ao mesmo
tempo usufruir as bênçãos das quais está embebido o universo.
Essa é
a tarefa difícil do ser humano: fazer-se acompanhar pela vida afora
do senso de sagrado.
O
sagrado nos exclui e conosco exclui também todos os nossos vírus. A
Mente Ampliada nos ensina o caminho da modéstia, que é entender que
o abençoado não será amaldiçoado e o amaldiçoado não será
abençoado. E a modéstia nos leva à humildade. E a humildade nos
leva à compaixão. E a compaixão nos leva à graça. E a graça nos
leva ao despertar. E o despertar nos leva ao tão ambicionado
bem-estar.
Salvar a
si próprio e resgatar-se é sempre uma medida de se colocar à
parte, de não se levar tão a sério, de não ser um fim. E essa
prática se realiza ao se deletar todos os convites para segredos.
Não os abra! Pode excluir. Nesse ato de excluí-los, você se fará
incluído. E não será tirada de si a escuta dessa outra voz, desse
Tu. Ela não coincidirá muitas vezes com sua voz interna e seu
querer. E quando isso acontecer abra os olhos e não açoite a
jumenta do seu destino.
A
inexistência da mágica acentua a magia!
A
independência em relação ao “Eu” embeleza tendas e moradas!
A
liberdade de não ser especial inclui e desfaz solidões!
É
O SAGRADO QUE É OCULTO, PARA SEMPRE
E por
oculto não se entenda inacessível.
É que
se tiramos tudo de nós mesmos, ainda assim seremos algo.
Se nos
despirmos de todas as características e rótulos de nosso ser –
nossos valores, nossa crença, nosso gênero e até nosso corpo –
ainda assim permanece um algo muito especial. Alguns consideram isso
a fagulha divina, o nó que entrelaça a existência e a
não-existência.
Mas para
conhecer esse oculto teríamos que abrir mão de ver, de ouvir ou de
qualquer outra sensibilidade que fosse faculdade das coisas que
renunciamos. Essa identidade profunda, essa essência, ninguém rouba
de nós. E ninguém se apossa dela também.
Essa
certeza de que somos especiais para além do caráter pessoal, na
esfera transpessoal, pode nos liberar para uma vida de gratidão e
graça. A festa quando é boa acontece em sua celebração e não nos
brindes que dela podemos amealhar.
A
lembrança desta intercessão que temos com o divino pode ser
usufruída mesmo em sua natureza oculta. E todos os rituais de todas
as tradições, quando refinados, têm como função evocar o oculto.
Prossegue
o milenar esforço humano para se investir de sua maior nobreza que é
a sua percepção do sagrado, distanciando-se do personagem caricato
tão ávido por segredos. (...) Longe da mágica, do obscurantismo e
da ilusão, íntimos da magia, da luz e do sonho de que possamos
usufruir as bênçãos sobre nossas tendas e moradas, como expresso
no texto bíblico:
“Então tu e teus
filhos e filhas viverão na Terra a promessa divina dada a teus
antepassados de viver dias celestes aqui mesmo nesta terra!”
Magnífico e assustador essa leitura e ao mesmo tempo triste porque tiramos a viseira ao percebermos o sagrado e percebemos o quanto somos enganados.... o segredo encobre a nossa visão e o sagrado faz nos enxergamos a realidade...o segredo é a própria ilusão a mágica enganadora ...
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