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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Os Lobos da minha infância


Não sei como é com as outras crianças, mas eu gostava quando os Lobos vinham na minha casa. Ou quando me carregavam para passear.

Nunca os vi brigar ou reclamar a sério da vida, do país ou dos outros. Eles habitavam o bom humor. Sabiam na prática que o sentido da vida estava nas pausas: na roda de amigos, na piada, no sorriso, na brincadeira, no fim de semana, na confraternização.

A gente enfrenta as dificuldades e os sofrimentos da vida para viver os pequenos acontecimentos. Não faz sentido abdicar desses intervalos, ou enchê-los de aporrinhações. Mas a maioria das pessoas, depois eu aprenderia, não é assim.

Era essa diferença de atitude perante a vida que tornava tão engraçada a brincadeira de dividir os adultos da família entre os Lobos (irmãos e irmãs) e os "intrusos" (cunhados e cunhadas).

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A nova era dos répteis



Estou tentando virar um réptil. Um jacaré, uma cobra, um lagarto ou uma tartaruga. Você já viu um réptil? Quase sempre parado. Independente. Frio. Sozinho. Silencioso. Fechado dentro de si.

Olho em volta e me sinto em casa: um mundo de adultos répteis, um pouco desajeitados com seus filhos mamíferos. Quando têm filhos.

Mas ainda não completei a mutação, o mamífero dentro de mim ainda resiste. Precisa de movimento, de bando, de contato, de ajudar alguns e depender de muitos.

E sabe o que é pior? Estou cheio de dores nas costas e no pescoço. Um mamífero não vira réptil impunemente.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Uma duas, de Eliane Brum

Uma duas, de Eliane Brum, é uma saga familiar. Uma saga familiar com a estranheza do nosso tempo. Não há irmãos, irmãs, tios, primos, romances, nem grandes acontecimentos. Apenas uma mãe e uma filha, e uma longa história de crimes silenciosos ocultos entre paredes.

Mas por que filha e mãe derramam na tela do computador e em um caderno sem pauta seu sangue, seu mijo e seu ódio? Fatos e pensamentos que deveriam estar escondidos. Duas vidas miseráveis que não interessam a ninguém. Duas vidas que expõem a podridão que diariamente tentamos disfarçar debaixo da superfície limpa e cheirosa de nossas máscaras.

Talvez porque elas (como nós) desejem se salvar. Encontrar um sentido para o mal-entendido que foi suas vidas. E se encontrar. Tomar posse de sua existência. Antes de morrer. Ou para viver.

Com as histórias de Laura e Maria Lucia, Eliane Brum escreveu um livro denso com 175 páginas essenciais. Cada frase curta vai além dela mesma e se revela em novos significados até o fim do livro. Uma duas é para ser lido e relido ao longo da vida.

É um mergulho (na piscina, na privada, na carne, no útero). A experiência de ler Uma duas é como um afogamento. Nossa cabeça é empurrada para o fundo onde não podemos respirar. Onde há dor, medo e desejo. Mas antes que tudo se apague, somos puxado pelos cabelos de volta à superfície.

Podem ficar tranquilos, tem vontade de gritar. Minha tragédia não vai denunciar ninguém. Eu apenas preciso chegar em casa e tomar um banho. E então, pronto, estaremos todos salvos. (pg. 25)

Acho que não tenho alma alguma. Se tenho, a carne está colada nela e não vai deixá-la ir sem antes arrancar um pedaço. (pg. 140)

Eu a salvei, mas a salvei de mim mesma. Fui ao mesmo tempo sua assassina e sua heroína. E acredito que é isso que todas as mães são em alguma medida. (pg. 144)

Quero agradecer a este caderno por não ter linhas. Se eu tivesse sabido a tempo que era tão simples, que existiam cadernos sem pauta onde cabe tudo, talvez eu pudesse ter tido uma outra vida. (pg. 145)

Quando ela cessar de respirar, será como mágica ao contrário (pg 152)


E o que há ali é uma filha e uma mãe na antessala da morte que acabaram de descobrir que tudo foi um grande mal-entendido. E agora o tempo acabou. (pg. 153)

Fico fascinada com a quantidade de horror que a normalidade nos assegura dia após dia. (pg. 161)


Tenha uma boa vida, ela diz. Ter uma vida já me basta, quero dizer. (pg. 172)

É mais um dia normal. E ela não é mais ou menos normal do que os outros todos. Sabe disso agora. É o segredo deles. Dela também, agora que consegue se camuflar na luz. (pg. 173)


Sabe agora que vai sobreviver. A vida só é possível na superfície. Boa semana, a moça ainda diz. Para você também. (Pg. 174)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Meia-noite em Paris, de Woody Allen

Woody Allen está no auge. Nos últimos anos, tenho ido ao cinema ver filmes excelentes dele. Scoop – o grande furo (2006); O sonho de Cassandra (2007); Vicky, Cristina, Barcelona (2008); Tudo pode dar certo (2009); mas talvez Meia-noite em Paris, deste ano, seja o melhor.

Um homem que sonha é um inconformado; às vezes inseguro diante da realidade, mas um inconformado. Gil Pender é esse tipo. Insatisfeito com seu trabalho e cercado por pessoas que não o entendem, ele encontra na Paris de hoje um calhambeque que toda meia-noite o leva à Paris dos anos 20, onde se encontra em festas e bares com seus ídolos – Cole Poter, Ernest Hemingway, Buñuel, Dali, Pablo Picasso.

As férias em Paris com a noiva e os sogros se divide entre fantasia e realidade, passado e presente. Entre o que Gil é e sonha, e o que ele aceita e vive. Mas fantasia não é só fuga, ela lentamente move a realidade. Quem ousou sonhar não aceita mais qualquer presente.

E os sonhos também se esgotam. Chega o tempo em que a fantasia já não é o suficiente. Em suas aventuras noturnas, Gil tem uma pequena iluminação: o passado não foi tão perfeito para quem o viveu na realidade presente. Se o Gil Pender real quer sonhar, o sonhador vai querer acordar e (mesmo com medo da rejeição, do fracasso, da dor, da morte) arriscar a viver. Neste ponto insondável – a vida real – o filme não é mais possível. Toda a arte se cala.

Pender – Achei no dictionary.com que pend, em inglês, significa to remain undecided or unsettled; to hang. Daí pêndulo. O personagem, Gil Pender, é esse pêndulo indeciso, que movimenta o filme suavemente de lá pra cá, entre uma Paris diurna com sua noiva, os amigos da noiva e seus sogros pragmáticos, e a Paris noturna de sonhos com os artistas que fizeram dela uma festa nos anos 20. Pender também lembra tender, uma palavra mais comum na língua inglesa, que significa afetuoso, delicado, sentimental. Gil Pender também é assim, justamente por pender, por estar indeciso, inseguro, fora de lugar; e é esta característica que cativa Adriana, uma linda mulher do passado, amada por grandes artistas como Picasso, Hemingway e Matisse.