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terça-feira, 14 de junho de 2011

Breve história de quase tudo, de Bill Bryson, e Alex no país dos números, de Alex Bellos

Ciências e matemática. Na escola, aprendemos alguns conteúdos dessas matérias como ferramentas para resolver questões que podem cair na prova. O fascínio, quase sempre, fica de fora. Agora o encanto da matemática e das ciências pode ser encontrado em dois livros rigorosos e divertidos: Alex no país do números, de Alex Bellos, sobre matemática, e Breve história de quase tudo, de Bill Bryson, sobre ciências.

Os dois autores, egressos do jornalismo, dedicaram vários anos a pesquisas e entrevistas antes de escrever os livros. Além disso, o cuidado com a forma na apresentação do conteúdo os aproxima da literatura.

Bill Bryson e Alex Bellos conquistam o interesse do leitor humanizando os seus temas. As ciências e a matemática são vistas não como um conjunto de conceitos prontos, mas por meio das dificuldades, das conquistas, dos desafios e dos limites dos homens que construíram o conhecimento que temos hoje sobre o mundo e sobre os números.

A cada assunto abordado, os autores viajam a procura de fatos e personagens curiosos.

É deste modo que para falar de vulcões Bill Bryson nos apresenta Paul Doss, geólogo do Parque Nacional de Yellowstones, nos EUA, que é na realidade a imensa cratera de um supervulcão, o maior vulcão ativo do mundo.

Para falar de aritmética, Alex Bellos vai ao Japão conhecer Yugi Miyamoto, dono de um clube de ábaco (soroban). Depois viaja à Universidade de Leipzig para assistir à Copa Mundial de Cálculo Mental, que acontece a cada dois anos desde 2004.

Os dois escritores desenvolvem estratégias interessantes para tornar os temas acessíveis ao leitor comum, que não está necessariamente envolvido com ciência ou matemática. Bill Bryson usa comparações para termos noção das medidas, que nas ciências geralmente fogem da nossa percepção normal:
Você também logo perceberá que nenhum dos diagramas do sistema solar foi desenhado em escala, ainda que remotamente. A maioria das ilustrações de sala de aula mostra os planetas um após os outros, com pequenos intervalos - os gigantes exteriores chegam a jogar sombra uns sobre os outros em muitos desenhos. Entretanto, esse é um engano necessário para que possam ser colocados na mesma folha de papel. Netuno não está só um tiquinho além de Júpiter: está muito além de Júpiter - cinco vezes mais longe do que Júpiter está de nós, tão longe que recebe somente 3% da luz solar recebida por Júpiter.


São tamanhas as distâncias que é impossível, em termos práticos, desenhar o sistema solar em escala. Mesmo que você acrescentasse uma enorme folha dobrável aos livros didáticos ou usasse um papelão grande, não chegaria nem perto. Num diagrama do sistema solar em escala, com a terra reduzida ao diâmetro aproximado de uma ervilha, Júpiter estaria a mais de trezentos metros e Plutão estaria a 2,5 quilômetros de distância (e teria o tamanho aproximado de uma bactéria, de modo que você nem conseguiria vê-lo). Na mesma escala, a Próxima Centauro, a estrela mais próxima, estaria a quase mil quilômetros de distância. Ainda que você encolhesse tudo até Júpiter ficar do tamanho do ponto final da fraze, e Plutão não maior que uma molécula, Plutão continuaria a mais de dez metros de distância.
(pg. 36)

Talvez uma forma mais eficaz de visualizar quão recentes somos como parte desse quadro de 4,5 bilhões de anos seja você abrir seus braços ao máximo e imaginar aquela extensão como toda a história da Terra. Nessa escala, de acordo com John McPhee, em Basin and range (Bacia e cadeia de montanhas), a distância das pontas dos dedos de uma mão até o pulso da outra é o Pré-Cambriano. Toda a vida complexa está em uma mão, “e de um só golpe, com uma lixa de unha de granulação média, você pode erradicar a história humana.”
(pg. 343)

Alex Bellos, embora aborde todos os temas da matemática que já vimos na escola, os trata de uma maneira lúdica. Lendo o livro, você se encanta com a incrível história de Tartaglia, o matemático que descobriu como resolver equações cúbicas no século XVI e não revelava o segredo pra ninguém, pois a conquista do mundo cúbico por um profissional das equações o elevava acima de seus concorrentes e permitia que cobrasse preços mais altos. Aprende a fazer um tetraedro dobrando dois cartões de visitas. Conhece as propriedades do quadrado mágico do pintor Albrecht Dürer, que serviu de base para o quadrado de Gaudi, que enfeita a lateral da catedral da Sagrada Família em Barcelona. E descobre o fascínio exercido pelas progressões geométricas:


"...Quando se multiplica qualquer número por si mesmo algumas vezes, o resultado logo chega a altas quantidades que desafiam a intuição.


Mesmo ao se multiplicar o menor número possível, 2, por si mesmo, o resultado logo sobe aos céus num ritmo alucinante. Coloque um grão de trigo num tabuleiro de xadrês. Ponha dois grãos no quadrado adjacente e depois comece a encher o resto do tabuleiro dobrando o número de grãos de trigo a cada quadrado. Quantos grãos de trigo seriam necessários para encher todo o tabuleiro? Alguns caminhões, ou talvez um contêiner? São 64 quadrados num tabuleiro de xadrês, por isso, a duplicação será efetuada 63 vezes, ou seja, o 2 será multiplicado por si mesmo 63 vezes, ou 263. Em grãos, esse número corresponde a mais ou menos cem vezes mais do que a produção anual de trigo no mundo hoje. Ou, se considerarmos de outra forma, se você começar a contar um grão de trigo por segundo no momento do Big Bang, há 13 bilhões e tantos anos, não teria contado nem até um décimo de 263 até agora."
O acaso é ótimo – O capítulo sobre probabilidade é o mais empolgante na viagem de Alex Bellos pelo mundo maravilhoso da matemática. Não é o maior capítulo do livro por acaso. O autor conta a história da probabilidade, que começa no século XVI com O livro dos jogos de azar, do matemático e jogador de dados e xadrez Girolamo Cardano. Os conceitos básicos da probabilidade foram desenvolvidos por Blaise Pascal no século XVII para responder a duas perguntas sobre jogos feitas por Chevalier de Mére, escritor bon vivant e frequentador regular das mesas de dados e dos salões da moda em Paris.

Depois do passeio pela história e de ensinar os conceitos básicos da probabilidade, Alex Bellos vai a um hotel cassino em Reno, faz uma breve introdução sobre o jogo na roleta e conversa com o matemático que estabelece as chaces de metade dos caça-níqueis do mundo, para explicar como funcionam essas máquinas que rendem 25 bilhões de dólares por ano nos Estados Unidos. Fala sobre as estratégias de aposta e conta as histórias de matemáticos que conseguiram ganhar muito dinheiro jogando cientificamente nos cassinos e na loteria. Um deles é Ed Thorp, que depois de ganhar algum dinheiro no blackjack (vinte e um), ficou milionário usando seu conhecimento de probabilidade para transformar a maneira de investir nos mercados de capitais no início dos anos 70.

Alex Bellos também mostra porque temos tanta dificuldade para entender a aleatoriedade, a ponto de enxergar incríveis coincidências em fatos comuns. A probabilidade de pelo menos duas pessoas fazerem aniversário no mesmo dia num grupo de 23 pessoas é maior do que a de não haver nenhuma coincidência de aniversários. Por outro lado, preciso de um grupo de 253 pessoas (bem maior do que a metade dos 365 dias do ano) para que a probabilidade de alguém fazer anos no dia do meu aniversário seja maior do que 50 por cento. Outro fato curioso que demonstra nossa incapacidade para entender a aleatoriedade foi a chuva de reclamações que a Apple recebeu de que a função shuffle (embaralhar) do Ipod, que executa as músicas do aparelho numa ordem aleatória, estava privilegiando certas bandas. A escolha aleatória, justamente porque não segue qualquer padrão, teria que “privilegiar” certas bandas em detrimento de outras. Em resposta à grita, Steve Jobs foi absolutamente sério ao responder: “Estamos tornando [a função embaralhar] menos aleatória, para que pareça mais aleatóia.”

A aleatoriedade não é lisa, distribuída por igual (2º retângulo). Ela cria áreas vazias e áreas sobrepostas (1º retângulo).

Tetraedro feio com dois cartões de visita.
O livro também ensina a fazer o cubo e outras figuras,
mas eu não tinha mais cartões de visita.

No quadrado de Dürer, todas as colunas linhas e diagonais somam 34. Nos quadrados de baixo ao centro, vê-se o ano em que o pintor fez a gravura, 1514.
Leia no Google Books um pouco de Breve história de quase tudo.