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KARL POPPER

TRECHOS SELECIONADOS DA OBRA DO FILÓSOFO KARL POPPER:

Todo aprendizado é uma modificação (pode ser uma refutação) de um conhecimento anterior, e assim, em última análise, de um conhecimento inato.

Indução por repetição não existe (assim como aprendizado de algo novo por repetição): o alegado método indutivo da ciência deve ser substituído pelo método de tentativa (dogmática e não aleatória) e eliminação de erros (crítica), que é o modo de descoberta de todos os organismos vivos, da ameba ao Einstein.

A crença (positivista) de que o que eleva a ciência diante da pseudociência é o “método científico” de encontrar verdadeiro, seguro e justificado conhecimento, e que este método é o método da indução, é uma solução errada para o problema da demarcação.

Nossas teorias são de fato produtos da imaginação humana, como disse Kant. Nós tentamos impô-las ao mundo, e podemos sempre nos agarrar a elas dogmaticamente se quisermos, mesmo que sejam falsas. Mas embora a princípio precisemos nos agarrar a nossas teorias - sem teorias nem podemos começar, pois não haveria nenhum outro caminho a seguir - nós podemos, ao longo do tempo, adotar uma postura mais crítica frente a elas. Podemos tentar trocá-las por algo melhor se tivermos aprendido, com a ajuda delas, onde elas nos decepcionam.

Nossas teorias são nossas invenções; mas elas podem ser apenas suposições equivocadas, conjecturas ousadas, hipóteses. Com elas criamos um mundo: não o mundo real, mas nossas próprias redes nas quais tentamos capturar o mundo real.
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O principal alvo de um verdadeiro artista é a perfeição de seu trabalho.
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Meu realismo é minha convicção de que existe um mundo real, e que o problema do conhecimento é o problema de como descobrir este mundo.
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Nós não pensamos por imagens, mas em termos de problemas e tentativas de solução.
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O sentido da vida não é algo oculto que possamos encontrar ou descobrir na vida, mas algo que nós próprios podemos dar à nossa vida. Podemos conferir sentido à nossa vida por aquilo que fazemos, por nosso trabalho e nossas ações, por nossa atitude perante a vida, perante os outros e o mundo. Isso torna a pergunta pelo sentido da vida numa pergunta ética – a pergunta “Que tarefas devo encarar para tornar minha vida plena de sentido?”. Ou, nas palavras de Kant: “O que devo fazer?”
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É facilmente compreensível que pessoas que são menosprezadas pela sua origem racial podem reagir dizendo que se sentem orgulhosas de sua raça. Mas orgulho racial é não somente estúpido mas errado, mesmo se provocado por ódio racial. Todo nacionalismo ou racismo é perverso, e o nacionalismo judeu não é exceção.
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Nossas visões frequentemente inconscientes sobre a teoria do conhecimento e seu problema central (“O que podemos saber”, “Quão certo é nosso conhecimento?”) são decisivas na nossa atitude em relação a nós mesmos e à política.

Nosso conhecimento cresce por meio de tentativa e eliminação de erros, e a principal diferença entre o crescimento pré-científico e científico é que no nível científico nós procuramos conscientemente por nossos erros: o principal instrumento de crescimento do conhecimento científico é a adoção consciente do método crítico.

Ser racional ou razoável é estar aberto a críticas e ávido por criticar a si mesmo.
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Claramente deve ser defendido que o universo é “aberto” - o futuro de maneira nenhuma está contido no passado ou no presente, mesmo que estes imponham àquele restrições severas; não devemos ser seduzidos por nossas teorias a desistir tão facilmente do bom senso.

Se Deus já tivesse tudo fixado para o mundo desde o início, Ele criaria um universo sem mudanças, sem organismos e sem evolução, e sem o homem e a experiência humana da mudança. Mas parece que Ele pensou que um universo vivo, com acontecimentos inesperados mesmo para Ele, seria mais interessante que um universo morto.
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O fato de que muitas pessoas adotem sem pensar soluções insustentáveis para os problemas filosóficos, é a única justificação para ser um filósofo.
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Boa parte do meu trabalho nos últimos anos tem sido defender a objetividade, atacando ou contra-atacando posições subjetivistas.
Pra começar, tenho que deixar claro que não sou um behaviorista, e minha defesa da objetividade não tem nada a ver com qualquer negação de métodos introspectivos em psicologia. Eu não nego a existência de experiências subjetivas, de estados mentais, de inteligência, e de espíritos (minds); acredito mesmo na máxima importância disso. Mas penso que nossas teorias sobre essas experiências subjetivas, ou sobre os espíritos (minds), devem ser tão objetivas quanto outras teorias. E por uma teoria objetiva entendo uma teoria que é discutível, que pode ser exposta à crítica racional, preferivelmente uma teoria que pode ser testada: uma que não apele apenas às nossas intuições subjetivas.
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Temos que distinguir sucessos e soluções no sentido objetivo dos nossos sentimentos subjetivos de sucesso, de conhecimento ou de crença.
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Pode-se dizer que a crítica continua o trabalho da seleção natural em um nível não genético (exossomático).
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As modas são estúpidas e cegas, especialmente as modas filosóficas; aí incluída a crença de que seremos julgados pela história.
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É possível que a vida seja tão improvável que nada possa explicar por que ela surgiu.
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O elemento novo e especial na abordagem científica consciente de conhecimento - crítica consciente de conjecturas arriscadas, a construção consciente de pressão seletiva sobre essas conjecturas (criticando-as) - seria consequência do surgimento da linguagem descritiva e argumentativa; isto é, de uma linguagem descritiva cujas descrições podem ser criticadas.
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Há proximidade entre os princípios conservadores do darwinismo (reprodução e variabilidade) e o que eu chamei de pensamento dogmático; e entre os princípios evolutivos (variação e seleção natural) e o que chamei de pensamento crítico.
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A teoria da evolução não explica por que chegou a ocorrer a imensa variedade de vida na terra, mas certamente prevê que, se uma evolução dessas ocorre, ela será gradual. A gradualidade da evolução, então, do ponto de vista lógico, é o previsão central da teoria.
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Podemos prever as consequências futuras de nossos sonhos, desejos e intenções melhor do que as plantas e os animais, mas não muito melhor. É importante percebermos quão pouco sabemos sobre as consequências imprevisíveis de nossas ações. Os melhores meios que estão a nossa disposição continuam sendo tentativa e erro: tentativas que muitas vezes são perigosas e erros ainda mais perigosos - às vezes perigosos para a humanidade.
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A crença numa utopia política representa um perigo especial. Isso possivelmente está ligado ao fato de que a busca por um mundo melhor é (se estou certo), similarmente à investigação do nosso entorno, um dos mais antigos e importantes instintos de vida. Acreditamos, com razão, que podemos e devemos contribuir para a melhora de nosso mundo. Mas não podemos imaginar que somos capazes de prever as consequências de nossos planos e ações. Sobretudo, não devemos sacrificar nenhuma vida humana (a não ser talvez a nossa própria, em caso extremo). Também não temos nenhum direito de motivar os outros, nem mesmo tentar convencê-los, a se sacrificar - nem mesmo por uma ideia, uma teoria, que nos tenha persuadido por completo (provavelmente sem razão, por causa de nossa ignorância)
Em todo caso, uma parde de nossa busca por um mundo melhor deve consistir em buscar um mundo tal, em que os outros não precisem sacrificar sua vida por uma ideia.
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Teologia (a teorização sobre Deus), ainda penso, é resultado da falta de fé.
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É uma coisa terrível se arrogar um tipo de conhecimento que põe em risco as vidas de outras pessoas em nome de um dogma aceito acriticamente, ou em nome de um sonho que pode não ser realizável.
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Se pudesse existir algo como o socialismo combinado com liberdade individual, eu seria ainda um socialista. Pois nada pode ser melhor do que viver uma vida simples, modesta e livre em uma sociedade igualitária. Levou algum tempo até eu reconhecer que isso não era mais do que um belo sonho; que liberdade é mais importante do que igualdade, que a tentativa de realizar a igualdade põe em perigo a liberdade; e que , se a liberdade é perdida, nem mesmo haverá igualdade entre os não livres.
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Ao palavrório, ao fingimento de uma sabedoria que não possuímos, chamei de pecado contra o Espírito Santo - presunção de três quartos dos eruditos. A receita é: tautologias e trivialidades temperadas com absurdo paradoxal. Outra receita é: escreva alguma pomposidade de difícil compreensão e de tempos em tempos acrescente trivialidades. Isso agradará ao leitor, que se sente bajulado por encontrar num livro tão "profundo" pensamentos que ele próprio já teve um dia. (Como hoje todos podem ver - as roupas novas do imperador estão na moda!)

Infelizmente, o jogo cruel de exprimir o simples de maneira complicada e o trivial de maneira difícil é, tradicionalmente, visto por muitos sociólogos, filósofos etc. como sua legítima tarefa. Eles assim aprenderam, e assim ensinam.
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Embora Kant visse na autoemancipação pelo conhecimento uma das mais importantes e dignas tarefas de sua própria vida e estivesse convencido de que todo homem se confronta com tal tarefa, exceto quando lhe falta entendimento suficiente, ele estava muito longe de identificar o sentido da vida a uma tarefa primordialmente intelectual, como é a autoemancipação pelo conhecimento. Kant não precisou dos românticos para criticar a razão pura ou para se dar conta de que o homem não é um puro ser racional e de que o saber meramente intelectual não é o que há de melhor nem de mais sublime na vida humana. Ele foi um pluralista que lutou pela multiplicidade e pela diversidade dos objetivos humanos e, portanto, por uma ordem social pluralista ou aberta, sob o lema: “Ouse ser livre e respeite a liberdade e a diversidade nos outros, pois a dignidade humana reside na liberdade, na autonomia”. No entanto, a autoeducação intelectual, a autoemancipação pelo conhecimento, lhe pareciam uma tarefa filosoficamente necessária, que exorta cada homem aqui e agora à ação imediata; pois só pelo conhecimento podemos nos libertar espiritualmente – da escravidão por falsas ideias, preconceitos e ídolos. Desse modo, embora a tarefa da autoemancipação certamente não esgote o sentido de nossa vida, o autodidatismo pode contribuir decisivamente para tornar nossa vida plena de sentido.

Acabei de empregar a expressão “sentido da vida”; e, como meu tema é o sentido da história, gostaria de apontar uma analogia entre essas duas expressões – “sentido da vida” e “sentido da história”. Primeiro, uma observação sobre a ambiguidade da palavra “sentido” na expressão “sentido da vida”. Tal expressão é às vezes empregada como se quem a emprega pretendesse falar de um sentido interior oculto – mais ou menos como se pode falar do sentido oculto de um anagrama ou de uma epigrama ou do sentido do Chorus Mysticus no Fausto, de Goethe. Mas a sabedoria de vida dos poetas e filósofos nos ensinou que a expressão “sentido da vida” deve ser entendida de outra maneira: o sentido da vida não é algo oculto que possamos encontrar ou descobrir na vida, mas algo que nós próprios podemos dar a nossa vida. Podemos conferir sentido à nossa vida por aquilo que fazemos, por nosso trabalho e nossas ações, por nossa atitude perante a vida, perante os outros e o mundo.

Isso torna a pergunta pelo sentido da vida numa pergunta ética – a pergunta “Que tarefas devo encarar para tornar minha vida plena de sentido?”. Ou, nas palavras de Kant: “O que devo fazer?”. Uma resposta parcial a essa pergunta se encontra nas ideias kantianas de liberdade e de autonomia e em sua ideia de um pluralismo, que, essencialmente, só é restringido pela igualdade perante a lei e pelo respeito à liberdade dos outros; ideias que, exatamente como a da autoemancipação pelo conhecimento, podem contribuir para dar sentido a nossa vida.

O caso é semelhante com a expressão “o sentido da história”. Aqui também muitas vezes se pensou num sentido misterioso, oculto do curso da história mundial; ou numa tendência de desenvolvimento oculta, inerente à história; ou numa meta que a história política mundial almeja. E creio que nossa resposta aqui deve ser semelhante à dada para a pergunta pelo sentido da vida: em vez de perguntar por um sentido oculto da história, devemos dar um sentido à história. Devemos tentar fornecer uma tarefa à história política – e, com isso, a nós mesmos. Em vez de perguntar por um sentido ou objetivo internos, ocultos da história política mundial, devemos nos perguntar quais objetivos da história política mundial são humanamente dignos e politicamente possíveis.
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Kant e o Esclarecimento foram ridicularizados como ingênuos porque absolutizaram as ideias do liberalismo, porque acreditaram que a ideia de democracia é mais do que um fenômeno histórico passageiro. E ainda hoje ouvimos falar muito sobre o declínio dessas ideias. Mas, em vez de profetizar o declínio dessas ideias, seria melhor lutar por sua sobrevivência, pois tais ideias não apenas demonstraram sua viabilidade, mas também o caráter afirmado por Kant: uma ordem social pluralista é a moldura suficiente para qualquer objetivo, qualquer política que transcenda o presente imediato; qualquer política que tenha um sentido para a história e queira lhe dar um sentido.
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Contudo, não é fácil se aproximar da verdade. Existe apenas um caminho, o caminho de nossos erros. Podemos aprender apenas com nossos erros; e só aprenderá quem estiver disposto a apreciar os erros dos outros como passos para a verdade; e quem procura por seus próprios erros a fim de se livrar deles.
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A verdade não é manifesta, tampouco é fácil de encontrar. A busca da verdade requer pelo menos: a) fantasia; b) tentativa e erro; c) a descoberta gradual de nossos próprios preconceitos com auxílio de a), b) e da discussão crítica.
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A tradição ocidental do racionalismo, derivada dos gregos, é a tradição da discussão crítica – a tradição do exame e do teste de sugestões ou teorias pela tentativa de refutá-las. Esse método da crítica racional não pode ser confundido com um método de prova, ou seja, um método que almeje finalmente estabelecer a verdade. Não existe tal método; tampouco existe um método em condições de sempre resultar num acordo. O valor da discussão crítica consiste, antes, no fato de que todos os participantes da discussão alterem em certa medida suas opiniões e depois se separem como pessoas mais sábias.
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Se não houvesse uma babel seria preciso inventá-la. O liberalismo põe sua convicção não num consenso de convicções, mas na fertilização mútua das opiniões e em seu consequente desenvolvimento.
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A teoria de que a guerra, a pobreza e o desemprego são as consequências de más intenções e planos sinistros é parte do senso comum, mas é não crítica. A essa teoria não crítica do senso comum dei o nome de teoria da conspiração da sociedade. (Também se poderia falar de teoria da conspiração do mundo: basta pensar no Zeus lançador de raios.) A teoria é muito difundida e, como busca por um bode expiatório, provocou perseguições e sofrimentos horríveis.
Um traço importante da teoria da conspiração da sociedade é que ela instiga conspirações reais. Mas um exame crítico mostra que conspirações dificilmente chegam a atingir seu objetivo. Lenin, que defendia a teoria da conspiração, foi um conspirador; como também Mussolini e Hitler. Mas os objetivos de Lenin não foram realizados na Rússia; tampouco os de Mussolini ou Hitler foram realizados na Itália ou na Alemanha. Todos foram conspiradores porque acreditaram acriticamente numa teoria de conspiração da sociedade.

É uma contribuição modesta, mas talvez não de todo insignificante para a filosofia, chamar a atenção para os erros da teoria da conspiração da sociedade. Além disso, essa contribuição leva à descoberta do grande significado das consequências não intencionais das ações humanas para a sociedade, como também à proposta de ver a tarefa das ciências sociais teóricas na explicação de fenômenos sociais como consequências não intencionais de nossas ações.
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Outro exemplo de preconceito filosófico é o preconceito segundo o qual as opiniões de uma pessoa são sempre determinadas por seus interesses. O indivíduo, via de regra, não aplica essa teoria (que se pode diagnosticar como uma forma degenerada da doutrina de Hume de que a razão é e deve ser escrava das paixões) a si mesmo (como o fez Hume, que ensinava modéstia e ceticismo com relação a nossa razão, incluindo a sua própria); ao contrário, ela é de hábito aplicada apenas aos outros, em especial aos que têm uma opinião diferente da nossa. Isso nos impede, porém, de escutar com paciência e levar a sério novas opiniões, pois podemos descartá-las pela explicação baseada nos “interesses” dos outros.
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Gostaria de terminar com um pouco de filosofia decididamente não acadêmica:
Atribui-se a um dos primeiros astronautas que participaram da primeira alunissagem uma observação simples e inteligente que ele teria feito após o seu retorno (cito de memória): “Também vi outros planetas em minha vida, mas a Terra é o melhor”. Creio que isso não é apenas sabedoria, mas sabedoria filosófica. Não sabemos como se deve explicar ou se é que se pode explicar que vivamos neste pequeno planeta maravilhoso, ou por que há algo como a vida que torna nosso planeta tão belo. Mas aqui estamos nós e temos razão para nos maravilhar com ele e ser gratos por ele. É, de fato, um milagre. Por tudo o que a ciência nos pode dizer, o universo é quase vazio: muito espaço vazio e pouca matéria; e, onde há matéria, ela está em quase toda parte em turbulência caótica e inabitável. Pode haver muitos outros planetas que abriguem vida. Mas, se escolhermos ao acaso um lugar no universo, a probabilidade (calculada com base em nossa cosmologia atual) de encontrar um corpo que seja portador de vida é quase zero. Portanto, a vida, em todo caso, tem valor de raridade: é preciosa. Tendemos a esquecer isso e a subestimar a vida, talvez por distração; ou talvez porque nossa bela Terra esteja um pouco superpovoada.
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Todos os homens são filósofos, pois assumem uma ou outra posição ou atitude perante a vida e a morte. Há aqueles que consideram a vida algo sem valor porque tem um fim. Não percebem que o argumento contrário pode ser igualmente alegado: se não houvesse um fim, a vida não teria nenhum valor. Não percebem que, em parte, é o perigo sempre presente de perder a vida que nos ajuda a apreender seu valor.
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Verdade segura jamais homem algum conheceu ou conhecerá
Sobre os deuses e todas as coisas de que falo.
Se alguém alguma vez proclamasse a mais perfeita verdade
Não o poderia saber: está tudo entretecido de conjectura.
(Xenófanes, citado por Karl Popper)
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O que é Tolerância? Tolerância é a conseqüência necessária da percepção de que somos pessoas falíveis: errar é humano, e estamos o tempo todo cometendo erros. Perdoemos, então, as loucuras uns dos outros.
(Voltaire, citado por Karl Popper)
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Evidentemente continua sendo nossa tarefa evitar erros o máximo possível. Mas, justamente para evitá-los, devemos estar sobretudo conscientes de como é difícil evitá-los e de que ninguém consegue isso totalmente. Nem mesmo os cientistas criativos o conseguem, os cientistas que são guiados por sua intuição: a intuição também pode nos extraviar.
(...)
Devemos, portanto, modificar nossa atitude em relação a nossos erros. É aqui que nossa reforma ética prática deve começar. Pois a atitude da antiga ética profissional leva-nos a encobrir nossos erros, a mantê-los secretos e a esquecê-los tão rápido quando possível.
O novo princípio básico é que, para aprendermos a evitar erros o máximo possível, devemos justamente aprender com nossos erros. Encobrir erros é, pois, o maior pecado intelectual.
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Obviamente não é a ideia do cristianismo que leva ao terror e à desumanidade. É, antes, a ideia da ideia única, unificada, da crença numa crença única, unificada e exclusiva. E, visto que me designei como racionalista, é meu dever apontar que o terror do racionalismo, da religião da razão, foi, se possível, pior do que o terror do fanatismo cristão, ou maometano ou judaico. Uma ordem social genuinamente racionalista é tão impossível quanto uma genuinamente cristã; e a tentativa de realizar o impossível deve, aqui, conduzir ao menos às mesmas monstruosidades. O melhor que se pode dizer sobre o Terror de Robespierre é que durou relativamente pouco.

Aqueles entusiastas bem-intencionados que têm o desejo e a necessidade de unificar o Ocidente sob a liderança de uma ideia fascinante não sabem o que estão fazendo. Não sabem que estão brincando com fogo – que é a ideia totalitária que os atrai.
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Platão foi o teórico de uma forma de governo absolutista-aristocrática. Ele põe como problema fundamental da teoria do Estado a seguinte pergunta: “Quem deve governar? Quem deve reger o estado? Os muitos, a multidão, a massa, ou os poucos, os eleitos, a elite?”

Quando se aceita a pergunta “Quem deve governar?” como fundamental, então há evidentemente apenas uma resposta racional: não os que não sabem, mas os que sabem, os sábios; não a multidão, mas os poucos melhores. Essa é a teoria platônica do governo dos melhores – da aristocracia.

É digno de nota que os grandes opositores dessa teoria platônica – os grandes teóricos da democracia, como, por exemplo, Rousseau – tenham aceitado a formulação da questão de Platão, em vez de rejeitá-la como inadequada. Pois está claro que a pergunta fundamental da teoria do Estado é totalmente diferente da suposta por Platão. Não é “Quem deve governar?”, mas “Quanto poder se deve conceder ao governo?”, ou talvez de modo mais preciso: “Como podemos construir nossas instituições políticas de tal modo que até mesmo governantes incompetentes e desonestos não tenham como causar grande dano?”

Em outras palavras, o problema fundamental da teoria do Estado é o problema da domesticação do poder político – da arbitrariedade e do abuso de poder – por instituições pelas quais o poder seja dividido e controlado.

Não tenho dúvida de que a democracia em que o Ocidente acredita seja apenas uma forma de Estado em que o poder é, nesse sentido, limitado e controlado. Pois a democracia em que cremos não é um Estado ideal. Sabemos muito bem que acontece muita coisa que não deveria acontecer. Sabemos que é infantil aspirar a ideais na política, e qualquer pessoa medianamente madura no Ocidente sabe que toda política consiste na escolha do mal menor (como disse uma vez o poeta vienense Karl Kraus).

Para nós, existem apenas duas formas de governo: aquela que permite aos governados se livrar de seus governantes sem derramamento de sangue, e aquela que não lhes permite isso, ou apenas com derramamento de sangue. A primeira é chamada habitualmente de democracia; a segunda, de tirania ou ditadura. Mas aqui não importam nomes, mas apenas os fatos.
Nós, no Ocidente, acreditamos na democracia apenas nesse sentido sóbrio – como uma forma de Estado do menor dos males. Foi assim também que a descreveu o homem que salvou a democracia e o Ocidente. “A democracia é a pior de todas as formas de governo”, disse uma vez Winston Churchill, “com exceção de todas as outras formas de governo”.

A pergunta de Platão “Quem deve governar? Quem deve ter o poder?” tem, portanto, uma formulação errônea. Acreditamos na democracia, mas não porque o povo governa no regime democrático. Nem você nem eu governamos; ao contrário, somos governados, e às vezes mais do que gostaríamos. Acreditamos na democracia como única forma de governo que é compatível com a oposição política e, portanto, com a liberdade política.
Infelizmente, a questão de Platão, “Quem deve governar?”, nunca foi rejeitada pelos teóricos do Estado. Ao contrário, Rousseau formulou a mesma pergunta, mas lhe deu uma resposta inversa: “A vontade geral (do povo) deve governar – a vontade dos muitos, não a dos poucos”; uma resposta perigosa, que leva à mitologia e ao endeusamento do “povo” e de sua “vontade”. E também Marx perguntou, totalmente na linha de Platão: “Quem deve governar, os capitalistas ou os proletários?”; e ele também respondeu: “Os muitos devem governar, não os poucos; os proletários, não os capitalistas.”

Ao contrário de Rousseau e de Marx, vemos na decisão majoritária do voto ou da eleição apenas um método de produzir decisões sem derramamento de sangue e com o mínimo de restrição à liberdade. E insistimos em que as minorias têm seus direitos de liberdade, que jamais podem ser eliminados pela decisão majoritária.

Minhas explanações talvez tenham deixado claro que as palavras da moda “massa” e “elite” e os slogans da “massificação” e da “rebelião das massas” são expressões que se originam do círculo de ideias do platonismo e do marxismo. Assim como Rousseau e Marx simplesmente inverteram a resposta platônica, alguns oponentes de Marx invertem a resposta marxista. Eles querem reagir contra a “rebelião das massas” por uma “revolta da elite”, retornando assim à resposta platônica e à pretensão da elite ao governo. Mas tudo isso está totalmente equivocado. Deus nos guarde do antimarxismo que simplesmente inverte o marxismo: nós o conhecemos o suficiente. Nem mesmo o comunismo é pior do que a “elite” antimarxista que governou a Itália, a Alemanha e o Japão e que só foi banida com um banho de sangue mundial.

Mas, assim perguntam os cultos e os semicultos, é correto meu voto não valer mais do que o de um varredor de rua inculto? Não há uma elite intelectual que vê mais longe do que a massa dos incultos e por isso deveria ter uma influência maior sobre as grandes decisões políticas?
A resposta é que infelizmente os cultos e semicultos têm, em todo caso, uma influência maior. Eles escrevem livros e jornais, ensinam e dão palestras, falam em discussões e podem exercer sua influência como membros de seus partidos políticos. Não quero dizer, contudo, que acho bom que a influência dos cultos seja maior do que a do varredor de rua. Pois a ideia platônica do governo dos sábios e dos bons deve ser, em minha opinião, rejeitada incondicionalmente. Quem decide sobre a sabedoria e a estupidez? Os mais sábios e melhores não foram crucificados? E por aqueles que eram reconhecidos como sábios e bons?
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Mas eu gostaria aqui de discordar de uma visão que sempre se ouve de diferentes maneiras; a visão de que a decisão entre as formas de economia ocidental e oriental depende, em última análise, da superioridade econômica de uma dessas duas formas. Pessoalmente, acredito na superioridade econômica de uma economia de mercado livre e na inferioridade da assim chamada economia planificada. Mas considero totalmente errôneo lançar mão de argumentos econômicos para fundamentar, ou até mesmo fortalecer, nossa rejeição da tirania. Mesmo se fosse verdade que a economia estatal, com um planejamento centralizado, é superior à economia de mercado livre, eu seria contra a economia planificada; simplesmente porque ela amplia o poder do Estado até a tirania. Não é a ineficiência econômica do comunismo que combatemos: é sua falta de liberdade e humanidade. Não estamos dispostos a vender nossa liberdade por um prato de lentilhas - tampouco pela máxima produtividade, nem pela maior riqueza, nem pela máxima segurança econômica -, caso fosse possível comprar tais coisas com a falta de liberdade.
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Se lançarmos um olhar para o Oriente a partir desse ponto de vista, talvez possamos concluir com uma nota conciliadora. O comunismo certamente reintroduziu a escravidão e a tortura, e isso não podemos perdoar. Mas não podemos esquecer que tudo isso aconteceu porque o Oriente acreditava numa teoria que lhe prometia liberdade - a liberdade para todos. Nesse amargo conflito, não podemos esquecer que esse pior mal de nossa época também nasceu do desejo de ajudar os outros e de fazer sacrifícios pelos outros.
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O absurdo do princípio da autodeterminação das nações deve aparecer claramente a quem dedicar um minuto a criticá-lo: ele equivale à exigência de que cada Estado seja um Estado nacional: que se limite à fronteira natural, coincidindo com a localização de um grupo étnico: assim, é o grupo étnico, a "nação", que determinará e protegerá os limites naturais do Estado.
Contudo, não existem Estados nacionais desse tipo.(...) Os Estados nacionais não existem, simplesmente porque as chamadas "nações" (ou "povos") com que sonham os nacionalistas também não existem. Praticamente não há grupos étnicos homogêneos estabelecidos em países com fronteiras naturais. Em toda a parte encontramos uma mistura de grupos étnicos e linguísticos (os dialetos correspondem muitas vezes a verdadeiras barreiras linguísticas).

A Tchecoslováquia de Masaryk foi fundada com base no princípio da autodeterminação. Logo depois de criada, porém, os eslovacos passaram a exigir, em nome desse mesmo princípio, sua libertação do domínio tcheco, e o país foi por fim destruído pela minoria alemã, também em nome do mesmo princípio. Situações semelhantes surgiram praticamente sempre que se aplicou o princípio da autodeterminação nacional à fixação das fronteiras de um novo Estado - na Irlanda, na Índia, em Israel, na Iugoslávia. Em todos os países há minorias étnicas. Não podemos adotar como um objetivo apropriado "liberá-las" a todas; nosso objetivo deve ser protegê-las. A opressão de grupos nacionais é um grande mal; mas a autodeterminação não representa um remédio aceitável. Além disso, temos na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Canadá e na Suíça exemplos óbvios de Estados que em muitos aspectos violam o princípio da nacionalidade: em vez de ter suas fronteiras determinadas por um grupo estabelecido, cada um desses Estados conseguiu reunir dentro das suas fronteiras uma variedade de grupos étnicos. O problema, portanto, não parece insolúvel.
No entanto, a despeito de todos esses fatos tão evidentes, o princípio da autodeterminação nacional continua a ser aceito amplamente como parte da nossa crença moral. Raramente é contestado. Recentemente um cipriota apelou para esse princípio moral universalmente aceito. De acordo com o seu ponto de vista, os defensores do princípio da nacionalidade defendem os sagrados valores humanos e os direitos naturais do homem (ao que parece, mesmo quando cometem atos de terrorismo contra os compatriotas que não compartilham das mesmas ideias). O fato de que essa carta não mencionava a minoria étnica de Chipre; de que foi publicada pelo jornal; e de que sua doutrina moral não sofreu contestação em toda uma sequência de cartas sobre o assunto - tudo isso contribui para demonstrar minha primeira tese. Parece-me, de fato, que o número de pessoas mortas pela estupidez investida de objetivos morais é maior do que o das que são assassinadas por simples maldade.

A religião nacionalista é poderosa. Muitas pessoas se dispõe a morrer por ela, acreditando com fervor que é moralmente boa e factualmente verdadeira. No entanto, essas pessoas se equivocam tanto quanto seus companheiros comunistas. Poucas crenças criaram mais ódio, crueldade e sofrimento sem sentido do que a fé na santidade do princípio da nacionalidade. Contudo, ainda se acredita amplamente que esse princípio aliviará a opressão nacional. Admito que meu otimismo sofre um certo abalo quando percebo a quase unanimidade com que esse princípio é aceito, ainda hoje, sem hesitação ou dúvida - mesmo por aqueles cujos interesses políticos claramente se opõem a ele. Recuso-me porém a abandonar a esperança de que o absurdo e a crueldade desse alegado princípio moral serão algum dia reconhecidos por todos os homens que pensam.
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Em seu otimismo reside um importante ajustamento feito por Aristóteles em sua sistematização do Platonismo. A forma, ainda considerada com Platão como sendo o bem, fica (com Aristóteles) no fim em vez de no princípio.
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Toda disciplina, enquanto empregado o método aristotélico de definição, permaneceu paralisada num estado de verbosidade oca.
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O caminho da ciência é calçado de teorias abandonadas, que certa vez foram declaradas evidentes por si mesmas.
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A exigência de que se definam todos os nossos termos é tão insustentável quanto a de que todas as nossas afirmações sejam provadas.
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A precisão da linguagem depende do fato de tomar cuidado em não sobrecarregar seus termos com a tarefa de serem precisos.
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O êxito de Hegel marcou o começo de uma nova era controlada pela magia das palavras altissonantes e pela força do jargão.
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A filosofia de Platão, que reclamava ser senhora no Estado, torna-se com Hegel o seu mais servil lacaio.
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O nacionalismo faz apelo a nossos instintos tribais, ao nostálgico desejo de ser aliviados da tensão da responsabilidade individual.
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O nacionalismo reviveu no séc XIX na Alemanha, na Prússia, a mais mesclada de todas as regiões da Europa.
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O princípio do estado nacional não só é inaplicável, como nunca foi claramente concebido. É um mito.
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O princípio do estado nacional é um sonho irracional, romântico e utópico, sonho de naturalismo e de coletivismo tribal.
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A crítica não violenta ainda é coisa rara: costuma ser semiviolenta, mesmo quando seu campo de batalha é o papel.
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Apenas uma minoria de instituições foi planejada; a vasta maioria simplesmente cresceu, como resultado involuntário de ações humanas.
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Os valores morais não podem sobreviver à destruição das tradições e instituições de uma sociedade.
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Há uma interação entre as condições econômicas e as ideias, e não uma dependência unilateral das últimas para com as primeiras.
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Marx fez uma análise admirável do sistema de capitalismo irrestrito de meados do século XIX.
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A liberdade derrota a si mesma, se for ilimitada.
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Liberdade ilimitada significa que um forte é livre para agredir um fraco e roubar a liberdade deste.
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Exigimos que o estado limite a liberdade a certa extensão, de modo que a liberdade de cada um seja protegida pela lei.
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Ninguém deve estar à mercê dos outros, mas todos devem ter o direito de ser protegidos pelo estado.
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A liberdade econômica ilimitada pode ser tão suicida quanto a liberdade física ilimitada.
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As funções do estado no domínio econômico devem se estender bem além da proteção da propriedade e dos "contratos livres".
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A ingênua concepção de Marx do fim do estado é análoga à crença liberal de que tudo que necessitamos é igualdade de oportunidades.
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A intervenção do estado deve ser planejada para combater males concretos, e não para estabelecer algum bem ideal.
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A questão política atual pode exigir uma solução pessoal, mas toda política de longo prazo pede soluções institucionais impessoais.
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A velha pergunta: "Quem serão os governantes?" deve ser superada pela mais real: "Como podemos domá-los?".
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O problema político central é institucional: o problema de idear instituições para impedir que maus governantes causem demasiado dano.
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Este é o fato incrível: podemos aprender, com nossos erros e por meio da crítica, tanto no domínio dos padrões quanto no dos fatos.
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A experiência científica é o resultado de conjecturas falíveis, dos testes a que estas se submetem e do aprendizado com nossos erros.
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Seja o que for que aceitemos, só devemos confiar experimentalmente, lembrando que estamos de posse no máximo de uma verdade parcial.
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Uma boa intuição costuma chegar depois de muitas tentativas da nossa imaginação, de muitos erros, testes, dúvidas e crítica.
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Não se pode forçar ninguém, através de argumentos, a levar argumentos a sério, ou a respeitar sua própria razão.
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O papel do pensamento é realizar revoluções por meio de debates críticos, e não pelos meios da violência e da guerra.
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A grande tradição do racionalismo ocidental é travarmos nossas batalhas com palavras e não com espadas.
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Toda a argumentação profética de Marx gira sobre a lei da miséria crescente, que proclamou ter descoberto.
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Marx estava errado em suas profecias, mas justificado no ardente protesto contra o inferno do capitalismo irrestrito de sua época.
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Não podemos passar a ninguém a responsabilidade, que é nossa, da escolha de um sistema moral.
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Nossa responsabilidade se estende ao sistema e às instituições cuja persistência permitimos.
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Se a objetividade científica se fundasse na imparcialidade do homem de ciência, então teríamos que dar-lhe adeus sem demora.
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O fato de todos poderem criticar constitui a objetividade científica.
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O racionalismo é a disposição de ouvir argumentos críticos e de aprender com a experiência.
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O racionalismo considera o argumento acima da pessoa que argumenta.
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Racionalismo é a modéstia intelectual dos que sabem quantas vezes erram e quanto dependem dos outros, até para esse conhecimento.
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A crença imodesta nos dotes intelectuais e a reivindicação de saber com certeza e com autoridade é falso racionalismo.
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Uma análise racional das consequências de uma decisão não torna a decisão racional, mas uma decisão tomada de olhos abertos.
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A tentativa de trazer o Céu para a Terra invariavelmente produz o Inferno. Leva à intolerância.
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O racionalismo deve encorajar o uso da imaginação, porque precisa dela.
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A crítica sempre requer certo grau de imaginação, enquanto o dogmatismo a suprime.
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O universal, o típico, não só é do domínio da razão, como em grande parte é produto da abstração científica. Mas o indivíduo isolado e suas isoladas ações, experiências e relações nunca podem ser racionalizados plenamente.
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É a singularidade de nossas experiências o que faz que nossa vida mereça ser vivida.
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Cada indivíduo é um fim em si mesmo.
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O método da ciência reside na procura de fatos que possam refutar a teoria.
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O Cristianismo, ensinando a paternidade de Deus, pode dar uma grande contribuição ao estabelecimento da fraternidade humana.
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Não há história da humanidade, há apenas um número infinito de histórias de todas as espécies de aspectos da vida humana.
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Quando se fala em história da humanidade, o que se quer dizer, o que se aprendeu na escola, é a história do poder político.
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A história do poder político é elevada à categoria de história do mundo.
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A história do poder político é a história do crime internacional e do assassínio em massa (e algumas tentativas de suprimi-los).
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Uma história da humanidade, se alguma houvesse, teria de ser a história de todos os homens.
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Fazendo abstrações, selecionando, deixando coisas de lado, chegamos a muitas histórias, entre elas a história do poder político.
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A história do poder político é ensinada nas escolas e alguns dos maiores criminosos são exaltados como seus heróis.
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Asseverar que Deus Se revela no que é chamado "história" é blasfêmia.
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O que realmente acontece no domínio das vidas humanas mal de leve é tocado pela focalização cruel e infantil da história do poder.
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A romântica moralidade historicista da fama, felizmente, parece estar em declínio.
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Devemos fazer nossa tarefa, realizar nosso sacrifício pelo bem dessa tarefa, e não para obter louvor ou evitar censura.
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Nem a natureza nem a história podem dizer-nos o que devemos fazer.
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Nós é que introduzimos propósito e significação na natureza e na história.
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Os fatos como tais não têm significação; apenas poderão consegui-la através de nossas decisões.
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O historicismo nasceu de nosso desespero com a racionalidade e a responsabilidade de nossas ações.
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O historicismo é uma tentativa de substituir a fé e a esperança por uma certeza que provém de uma pseudociência.
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Necessitamos de esperança, mas mais do que isso não nos deve ser dado. Não necessitamos de certeza.
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A religião não deveria ser substituto de sonhos e anelos, não deveria assemelhar-se a um bilhete premiado ou a uma apólice de seguro
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A história não pode progredir - por si; apenas nós, os indivíduos humanos, podemos fazê-lo.

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Minha Lógica da Pesquisa Científica contém uma teoria do crescimento do conhecimento por tentativa e eliminação de erros, isso é, pela seleção darwiniana em vez da instrução lamarckiana.
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Parece que o darwinismo se relaciona com o lamarckismo da mesma maneira que: o dedutivismo com o indutivismo, a seleção com a instrução por repetição, e a eliminação crítica de erros com a justificação.
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Deixe que exista um mundo, um meio de constância limitada, no qual existam entidades de variabilidade limitada. Então algumas das entidades produzidas por variação (aquelas que se adaptam às condições do meio) podem sobreviver, enquanto outras (aquelas que colidem com as condições) podem ser eliminadas.

Some a isso a suposição da existência de um meio especial - um conjunto de condições altamente raras e individuais - na qual possa haver vida ou, mais especificamente, corpos com capacidade de autorreprodução porém variáveis. Então surge uma situação em que a ideia de tentativa e eliminação de erros, ou do darwinismo, se torna não apenas aplicável, mas quase logicamente necessária. Isso não significa nem que o meio nem que a origem da vida é necessária. Pode haver um meio no qual a vida seria possível, mas no qual a tentativa que leva à vida não ocorreu, ou no qual todas as tentativas que levam à vida foram eliminadas. (A última hipótese não é uma mera possibilidade, mas pode ocorrer a qualquer momento: há mais de uma maneira em que a vida na terra pode ser destruída.) O significado disso é que se uma situação que permita a vida ocorre, e se a vida se origina, então toda essa situação torna a ideia darwiniana uma ideia de lógica situacional.
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Penso que o darwinismo não pode explicar a origem da vida. É possível que a vida seja tão improvável que nada possa explicar por que ela surgiu. Mas isso não afeta a visão do darwinismo como lógica situacional, uma vez que a vida e seu meio sejam assumidos como nossa situação.
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O darwinismo é metafísico porque não é testável. Alguém pode pensar que é. Parece que, se em algum planeta, encontramos vida que satisfaça às condições de hereditariedade e variação, então a seleção natural entraria no jogo e acarretaria no tempo certo uma rica variedade de formas distintas. O darwinismo, no entanto, não afirma tudo isso. Se encontrássemos vida em Marte, consistindo exatamente em três espécies de bactérias com perfil genético semelhante ao de três bactérias terrestres. Isso refutaria o darwinismo? De jeito nenhum. Poderíamos dizer que essas três espécies eram as únicas formas dentre as tantas mutantes suficientemente bem ajustadas para sobreviver. E poderíamos dizer o mesmo se houvesse apenas uma espécie, ou nenhuma. Desse modo o darwinismo não prevê a evolução de variedades. Não pode realmente explicar isso. No máximo, pode prever a evolução de variedades em condições favoráveis. Mas é muito difícil descrever em termos gerais o que são condições variáveis – exceto que, na sua presença, uma variedade de formas vai aparecer.
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Considere a adaptação. À primeira vista a seleção natural parece explicá-la, e de certo modo o faz; mas dificilmente de maneira científica. Falar que uma espécie viva se adapta ao seu meio ambiente é, de fato, quase tautológico. Na verdade, usamos os termos adaptação e seleção de um modo que podemos dizer que, se as espécies não se adaptarem, serão eliminadas pela seleção natural. Do mesmo modo, se uma espécie foi eliminada, ela estava mal adaptada às condições. Adaptação ou aptidão é definida pelos evolucionistas modernos como valor de sobrevivência, e pode ser medida pelo real sucesso em sobreviver: há pouca possibilidade de testar uma teoria tão fraca quanto essa.

Ainda assim, a teoria da evolução tem valor inestimável. Não vejo como, sem ela, nosso conhecimento poderia ter crescido tanto quanto tem crescido depois de Darwin.
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Embora a teoria da evolução não tenha poder explanatório para explicar a evolução terrestre em uma grande variedade de formas de vida, ela certamente o sugere, e chama atenção para isso. E ela certamente prediz que se uma evolução dessas acontece, ela vai ser gradual.

A previsão não trivial da gradualidade é importante, e a pequenez das mutações previstas pela seleção natural nos é conhecida não apenas experimentalmente, mas em detalhes.
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Eu distingo a pressão seletiva externa ou ambiental da pressão seletiva interna. A pressão seletiva interna vem do próprio organismo e, suponho, em última análise, de suas preferências (ou intenções) embora essas preferências possam mudar em resposta a mudanças externas.

Nós temos por um lado inicialmente um controle hierárquico na estrutura de preferências ou intenções, e mais tarde na estrutura anatômica.
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À primeira vista, o darwinismo (em oposição ao lamarckismo) parece não atribuir nenhum efeito evolucionário às inovações adaptativas de comportamento (preferências, gostos, escolhas) do organismo individual. Essa impressão, no entanto, é superficial. Cada inovação comportamental do organismo individual muda a relação entre esse organismo e o meio ambiente: leva à adoção ou mesmo à criação pelo organismo de um novo nicho ecológico. Mas um novo nicho ecológico significa um novo conjunto de pressões seletivas, selecionadas pelo nicho escolhido. Desse modo o organismo, por meio de suas ações e preferências, seleciona parcialmente a pressão seletiva que atuará sobre ele e seus descendentes. Portanto o organismo pode influenciar ativamente o curso que a evolução vai seguir. A adoção de uma nova forma de agir, ou de uma nova expectativa (ou teoria), abre um novo caminho evolucionário. E a diferença entre darwinismo e lamarckismo não é a diferença entre sorte e invenção (cunning), como Samuel Butler sugeriu: nós não rejeitamos a invenção do organismo ao optar pelo darwinismo e a seleção.
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O elemento novo e especial na abordagem científica consciente de conhecimento – crítica consciente de conjecturas arriscadas, a construção consciente de pressão seletiva sobre essas conjecturas (criticando-as) - seria consequência do surgimento da linguagem descritiva e argumentativa; isto é, de uma linguagem descritiva cujas descrições podem ser criticadas.
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Há proximidade entre os princípios conservadores do darwinismo (reprodução e variabilidade) e o que eu chamei de pensamento dogmático; e entre os princípios evolutivos (variação e seleção natural) e o que chamei de pensamento crítico.
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A teoria da evolução não explica por que chegou a ocorrer a imensa variedade de vida na terra, mas certamente prevê que, se uma evolução dessas ocorre, ela será gradual. A gradualidade da evolução, então, do ponto de vista lógico, é a previsão central da teoria.
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Levaria muito tempo para descrever a situação em rápida transformação que se desenvolveu entre a física e a biologia. Contudo, gostaria de mencionar que, do ponto de vista da moderna teoria darwiniana da seleção natural, pode-se representar a mesma situação de dois modos fundamentalmente diferentes. Um modo de representação é tradicional; o outro me parece ser, de longe, o melhor.

O darwinismo é em geral visto como uma cruel concepção de mundo: ele pinta “a natureza rubra, em dentes e garras” (nature, red in tooth and claw). Ou seja, uma imagem em que a natureza se apresenta hostil e ameaçadora a nós e à vida em geral. Afirmo que essa é uma concepção preconceituosa do darwinismo, influenciada por uma ideologia que já existia antes de Darwin (Malthus, Tennyson, Spencer) e que não tem quase nada a ver com o conteúdo teórico do darwinismo. É verdade que o darwinismo salientou bastante o que chamamos de natural selection ou seleção natural; mas isso também se pode interpretar de maneira completamente diferente.

Como se sabe, Darwin foi influenciado por Malthus, que tentou mostrar que o crescimento da população, ligado a uma escassez de alimentos, conduz, por uma competição cruel, a uma seleção cruel dos mais fortes e ao aniquilamento dos não tão fortes. No entanto, de acordo com Malthus, os mais fortes também são postos sob pressão pela competição: são obrigados a aplicar todas as suas forças. A competição conduz, portanto, segundo essa interpretação, à restrição da liberdade.

Mas isso também pode ser visto de outra maneira. Os homens buscam expandir sua liberdade: buscam novas possibilidades. A competição pode, evidentemente, ser vista também como um processo que favorece a descoberta de novas possibilidades de subsistência e, portanto, novas possibilidades de vida, e, com isso, tanto a descoberta como a construção de novos nichos ecológicos, incluindo nichos para o indivíduo – por exemplo, um deficiente físico.

Essas possibilidades significam: escolha entre decisões alternativas, mais liberdade de escolha, mais liberdade.

Portanto, ambas as interpretações divergem fundamentalmente. A primeira é pessimista: restrição da liberdade. A segunda, otimista: expansão da liberdade. Ambas são, obviamente, supersimplificações, mas podem ser vistas como boas aproximações da verdade. Podemos dizer que uma delas é a melhor interpretação?

Creio que podemos. O grande sucesso da sociedade competitiva e a grande ampliação da liberdade a que tal sociedade conduziu são explicados apenas pela interpretação otimista. Ela é a melhor interpretação: aproxima-se mais da verdade, explica mais.

Se é esse o caso, então a iniciativa do indivíduo, a pressão interna, a busca por novas possibilidades, novas liberdades, e a atividade que procura realizar as novas possibilidades são mais eficazes do que a pressão seletiva externa, que leva à eliminação dos indivíduos mais fracos e à restrição da liberdade também dos mais fortes.

Nessa reflexão, podemos aceitar a pressão causada pelo aumento da população como fato estabelecido.

O problema na interpretação da teoria da evolução de Darwin pela seleção natural parece-me bastante semelhante ao da teoria de Malthus.

A visão antiga, pessimista e ainda aceita é esta: o papel dos organismos na adaptação é puramente passivo. Eles constituem uma população com muitas variações, na qual a luta pela existência, a competição seleciona os indivíduos (de um modo geral) mais bem-adaptados, pela eliminação dos outros. A pressão da seleção vem de fora.

Normalmente se põe ênfase no fato de que todos os fenômenos da evolução, em especial os fenômenos da adaptação, podem ser explicados apenas por essa pressão seletiva que vem de fora. De dentro não vem nada senão as mutações, a variabilidade (do pool genético).

Minha interpretação nova, otimista, ressalta (tal como Bergson) a atividade de todos os seres vivos. Todos os organismos estão inteiramente ocupados com a solução de problemas. Seu primeiro problema é sobreviver. Mas há incontáveis problemas concretos que aparecem nas mais diversas situações. E um dos problemas mais importantes é a busca de melhores condições de vida: de maior liberdade; de um mundo melhor.

De acordo com essa interpretação otimista, surge já muito cedo, pela seleção natural e (assim podemos supor) pela pressão seletiva originalmente externa, uma forte pressão seletiva interna dos organismos sobre o mundo exterior. Essa pressão seletiva manifesta-se na forma de comportamentos, que podem ser interpretados como uma busca por nichos ecológicos novos e preferidos. Muitas vezes se trata também da construção de um nicho ecológico totalmente novo.

Essa pressão de dentro resulta numa escolha de nichos; isto é, em formas de comportamento que podem ser interpretadas como escolha de modos de vida e de ambientes. Aqui também se devem incluir a escolha de amigos, a simbiose – e sobretudo o que talvez seja o mais importante do pondo de vista biológico: a escolha do parceiro – e a preferência por certos tipos de alimentos, especialmente a luz solar.

Temos, portanto, uma pressão da seleção interna; e a interpretação otimista a considera pelo menos tão importante quanto a pressão da seleção de fora: os organismos buscam novos nichos, mesmo sem ter sofrido uma transformação orgânica; e eles se modificam mais tarde pela pressão exterior, a pressão da seleção do nicho ativamente escolhido por eles.

Seria possível dizer: há um círculo, ou melhor, uma espiral, de interações entre a pressão da seleção externa e a da interna. A pergunta que é respondida de maneira diferente pelas duas interpretações é: qual volta nesse círculo ou nessa espiral é ativa e qual é passiva? A teoria antiga vê a atividade na pressão seletiva externa; a nova, na pressão seletiva interna: é o organismo que escolhe, que é ativo. Pode-se dizer que ambas as interpretações são ideologias, interpretações ideológicas do mesmo fato objetivo. Mas podemos perguntar: há um fato que é mais bem explicado por uma das interpretações do que pela outra?

Creio que há. Eu o descreveria brevemente como a vitória da vida sobre o entorno inanimado.

O fato essencial é o seguinte: assim supõe a maioria de nós, houve – hipoteticamente, é claro – uma célula primordial da qual, aos poucos, surgiu toda vida. Segundo o melhor julgamento da biologia evolucionária darwinista, toda vida surgiu pelo fato de a natureza ter trabalhado sobre ela com um cinzel terrivelmente cruel, que então cinzelou todas as coisas, que são adaptações e que admiramos na vida.

Todavia, em contraposição a isso, podemos apontar um fato: a célula primordial ainda vive. Todos nós somos a célula primordial. Isso não é uma imagem, uma metáfora, mas é literalmente verdadeiro.

Quero oferecer apenas uma breve explicação disso. Há para uma célula três possibilidades; uma é a morte; a segunda é a divisão celular; a terceira; a fusão – a união com outra célula, que quase sempre causa uma divisão. Nem a divisão nem a união significam a morte: é multiplicação, a transformação de uma célula viva em duas células vivas que são praticamente iguais – ambas são as continuações vivas da célula original. A célula primordial teve início a bilhões de anos, e a célula primordial sobreviveu na forma de trilhões de células. E toda a vida, tudo o que já viveu e tudo o que vive hoje, é resultado de divisões da célula primordial. É, portanto, a célula primordial ainda viva. Isso são coisas que nenhum biólogo pode contestar e que nenhum biólogo contestará. Todos nós somos a célula primordial, num sentido bastante similar (genidentidade) àquele no qual eu sou o mesmo que fui há trinta anos, embora talvez nenhum átomo do meu corpo atual existisse no meu corpo do passado.

No lugar de uma imagem do ambiente que nos ataca com tooth and claw, com dentes e garras, vejo um entorno em que um ser vivo minúsculo soube como sobreviver por bilhões de anos e conquistar e embelezar seu mundo. Se há, portanto, uma luta entre vida e ambiente, então foi a vida que saiu vitoriosa. Creio que essa concepção de mundo um tanto modificada do darwinismo levou a uma visão que é totalmente diferente da velha ideologia, à visão de que vivemos num mundo que, graças ao viver ativo e a sua busca por um mundo melhor, tornou-se cada vez mais belo e mais favorável à vida.

Mas quem quer admitir isso? Hoje, todos acreditam no mito sugerido pela malignidade radical do mundo e da sociedade; assim como outrora todos acreditaram em Heidegger e Hitler, em Krieck e na guerra. Mas a errônea crença na malignidade é, ela mesma, maligna: desencoraja os jovens e os conduz a dúvidas e ao desespero, e até mesmo à violência. Embora essa crença errônea seja, essencialmente, de natureza política, a velha interpretação do darwinismo contribui para ela.

À ideologia pessimista pertence uma tese muito importante: a adaptação da vida ao ambiente e todas essas (a meu ver, formidáveis) invenções que a vida concebeu ao longo de bilhões de anos e que hoje ainda não conseguimos imitar no laboratório absolutamente não são invenções, mas o resultado de mero acaso. Diz-se que a vida não fez nenhuma invenção, que é tudo mecanismo das mutações puramente casuais e da seleção natural; a pressão interna da vida é nada mais que um multiplicar-se. Tudo o mais surge pela nossa luta uns contra os outros e contra a natureza, a saber, uma luta cega. E o resultado do acaso seriam então coisas (em minha opinião, coisas maravilhosas) como o emprego da luz solar como alimento.

Afirmo, mais uma vez, que isso é apenas uma ideologia e, de fato, uma parte da velha ideologia, à qual, aliás, também pertencem o mito do gene egoísta (os genes podem atuar e sobreviver apenas por cooperação) e o reanimado darwinismo social, que agora se apresenta, de forma totalmente nova e ingenuamente determinista, como sociobiology.
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A teoria aqui rascunhada sugere algo como uma solução para o problema de como a evolução levou ao que pode ser chamado de formas de vida mais elevadas. O darwinismo tradicional geralmente falha ao explicar isso. Ele pode, no máximo, explicar algo como um aperfeiçoamento no grau de adaptação. Mas bactérias têm de estar pelo menos tão bem-adaptadas quanto o homem. De qualquer maneira, elas viveram mais, e há razões para temer que elas sobreviverão ao homem. Mas o que pode ser identificado com as formas de vidas mais elevadas é uma estrutura de escolha comportamental mais rica – uma de maior amplitude; e se a estrutura de escolha (preferências) pode ter normalmente o papel principal que atribuo a ela, então a evolução em direção a formas mais elevadas pode ser compreensível. Minha teoria também pode ser apresentada assim: formas mais elevadas surgem por meio da hierarquia primária de p (preference structure) -> s (skill structure) -> a (anatomical structure), isso é, quando e enquanto a estrutura de escolha está na condução. Estagnação e reversão, incluindo superespecialização, são o resultado de uma inversão provocada pelo feedback dentro dessa hierarquia primária
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A atividade mental (processo de pensar) de um homem não pode contradizer a atividade mental de outro homem, nem sua própria atividade mental em outro tempo; mas os conteúdos dessa atividade mental (as ideias por si mesmas) - podem claramente contradizer os conteúdos da atividade mental de outros homens.
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Pensamentos, no sentido de conteúdos e ideias por si mesmas, e pensamentos, no sentido de atividade mental (processo de pensar), pertencem a dois mundos completamente diferentes.
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Se chamarmos o mundo das “coisas” – dos objetos físicos – de mundo 1, e o mundo das experiências subjetivas (como por exemplo o processo de pensar) de mundo 2, nós podemos chamar o mundo das ideias (produtos objetivos da atividade mental) de mundo 3.
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Está claro que todos que se interessam por ciência devem estar interessados nos objetos do mundo 3. Um físico, para começar, pode se interessar principalmente pelos objetos do mundo 1, como cristais ou raios-X. Mas logo deve perceber o quanto depende de nossa interpretação dos fatos, isto é, de nossas teorias, e desse modo de objetos do mundo 3.
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Chamamos “real” qualquer coisa que age sobre coisas físicas como mesas e cadeiras, e que pode sofrer a ação de coisas físicas. Mas nosso mundo das coisas físicas foi largamente modificado pelo conteúdo de teorias, como aquelas de Maxwell e Hertz; ou seja, por objetos do mundo 3. Portanto esses objetos podem ser chamados de “real”.
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O mundo 1(objetos físicos) e o mundo 2 (experiências subjetivas) podem interagir, assim como o mundo 2 (experiências subjetivas) e o mundo 3 (produtos da atividade mental); mas o mundo 1 e o mundo 3 não podem interagir diretamente, sem intermediação do mundo 2.
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Considero que o mundo 3 é essencialmente produto da mente humana. Somos nós que criamos os objetos do mundo 3. Que esses objetos têm suas leis próprias e autônomas que geram consequências não intencionais e imprevisíveis é somente um caso de uma lei mais geral: a lei de que todas as nossas ações têm consequências imprevisíveis.
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O mundo 3, como eu vejo, é produto da atividade humana, e sua influência em nós é tão grande, ou maior, do que a influência do nosso meio ambiente físico. Há uma espécie de feedback em todas as atividades humanas: agindo nós sempre agimos também indiretamente sobre nós mesmos.
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O mundo 3 tem uma história. É a história das nossas ideias; não apenas a história da sua descoberta, mas também a história de como as inventamos: como nós as criamos, e como elas reagiram sobre nós, e como nós, por nossa vez, reagimos sobre elas.
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Podemos considerar o mundo dos problemas, das teorias e dos argumentos críticos como o mundo 3 em sentido estrito, ou como a província lógica ou intelectual do mundo 3. O mundo 3 em sentido mais amplo inclui todos os produtos da mente humana, como ferramentas, instituições, e trabalhos de arte.

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A discussão sobre “substâncias” surge do problema da mudança (“O que permanece constante nas mudanças?”) e da tentativa de responder perguntas do tipo “O que é?”. O velho chiste com que a avó de Bertrand Russel o importunava - “What is mind? No matter! What is matter? Never mind!” - me parece que acerta o alvo e é perfeitamente adequado. É melhor perguntar: “What does mind?” (E como podemos melhorá-la?)

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Também me parecia óbvio que somos interiores, ou mentes, ou espíritos, incorporados. Mas como a relação entre nossos corpos (ou estados fisiológicos) e nossas mentes (estados mentais) podem ser entendidas racionalmente?
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Assim eu propus, pra começar, que considerássemos a mente humana de modo bem simples, como se ela fosse um órgão altamente desenvolvido, e perguntássemos, como poderíamos perguntar a respeito qualquer outro órgão do corpo, como ela colabora para a manutenção do organismo.
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Propus que primeiramente considerássemos a mente humana como um órgão que produz objetos do mundo 3 (em sentido amplo) e interage com esses objetos. Desse modo, propus que olhássemos para a mente humana, essencialmente, como a produtora da linguagem humana, para a qual nossas aptidões básicas são congênitas; e como produtora de teorias, de argumentos críticos, e muitas outras coisas como erros, mitos, histórias, brincadeiras, ferramentas, e trabalhos de arte.

Propus que a primeira produção da mente foi a linguagem, e que a linguagem é a primeira ferramenta exossomática cujo uso é congênito ou, melhor, baseado geneticamente no homem.
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Sugeri que o surgimento da linguagem descritiva está na raiz do poder humano da imaginação, da inventividade humana, e assim na raiz da emergência do mundo 3. Pois podemos supor que a primeira (e quase humana) função da linguagem descritiva como ferramenta era servir unicamente para descrições verdadeiras, relatos verdadeiros. Mas então chegou o ponto em que a linguagem pôde ser usada para mentiras, para contar histórias. Esse me parece o passo decisivo, o passo que produziu a linguagem verdadeiramente descritiva e verdadeiramente humana. Isso conduziu a narrativas de tipo explanatório, à construção de mitos; ao escrutínio crítico de relatos e descrições, e assim à ciência; à ficção imaginativa e às artes plásticas – narrativas na forma de pinturas.

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Assim o problema corpo-mente é dividido em, pelo menos, dois problemas bem distintos: o problema da relação muito próxima entre estados fisiológicos e certos estados de consciência, e o problema bem diferente da emergência do eu, e sua relação com o seu corpo.
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A consciência de si envolve, entre outras coisas, uma distinção, ainda que vaga, entre corpos vivos e e não vivos, e a partir daí uma teoria rudimentar das principais características da vida; envolve também de algum modo a distinção entre corpos dotados e não dotados de consciência. Isso envolve também a projeção do eu no futuro: a expectativa mais ou menos consciente da criança se transformar em um adulto; e a consciência de ter existido por algum tempo no passado. Desse modo envolve problemas que pressupõem a posse de uma teoria do nascimento e talvez mesmo da morte.

Tudo isso é possível somente por meio de uma linguagem descritiva altamente desenvolvida – uma linguagem que não apenas levou à criação desse mundo 3, mas que vem sendo modificada pelo feedback do mundo 3.
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Embora a consciência completa de si é, em forma potencial, sempre presente nos adultos, essa tendência nem sempre é ativada. Ao contrário, estamos amiúde em atividades mentais intensas e, ao mesmo tempo, completamente esquecidos de nós mesmos, ainda que sempre aptos a pensar sobre nós a qualquer momento.
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Esse estado de atividade mental intensa que não é autoconsciente é alcançado, especialmente, em trabalhos intelectuais ou artísticos: tentando entender um problema, ou uma teoria; ou desfrutando uma obra de ficção absorvente, ou talvez tocando piano ou jogando uma partida de xadrez.
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Nesses estados, podemos nos esquecer de onde estamos – sempre uma indicação de que nos esquecemos de nós mesmos. Nossa mente está engajada, com extrema concentração, na tentativa de apreender um objeto do mundo 3, ou de produzi-lo. Embora apenas a mente humana alcance esses estados, encontramos estados semelhantes em animais de caça, por exemplo, ou em animais que tentam escapar de um perigo. É nesses estados de alta concentração em uma tarefa, ou em um problema, que ambas mentes humana e animal melhor servem aos seus propósitos biológicos. Em momentos mais ociosos, o órgão mental pode estar, na verdade, precisamente descansando, se recuperando, ou, em uma palavra, se preparando, se carregando, para o período de concentração. (Não é de admirar que na auto-observação com frequência nos vemos mais tempo relaxando do que, digamos, pensando intensamente.)
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Parece-me claro que as façanhas da mente necessitam de um órgão com poderes peculiares de concentração em um problema, com poderes linguísticos, com poderes de antecipação, inventividade, e imaginação; e com poderes de aceitação provisória e rejeição. Um órgão físico não parece capaz de fazer isso tudo: parece que algo diferente, como a consciência, era necessário e tinha que ser usado como uma parte do material de construção da mente. Sem dúvida, apenas uma parte: muitas atividades mentais são inconscientes; muitas são instintivas, e muitas são meramente fisiológicas. Mas muito do que é fisiológico e “automático” (ao tocar piano ou, digamos, dirigir um carro) foi por um período de tempo feito por nós com aquela concentração consciente tão característica da mente investigativa – a mente diante de um problema difícil. Desse modo tudo fala a favor da indispensabilidade da mente na manutenção dos organismos superiores, e também na necessidade de deixar problemas resolvidos e situações apreendidas mergulhar de novo no corpo, presumivelmente para liberar a mente para novas tarefas.
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Essa é uma teoria interacionista: existe interação entre os vários órgãos do corpo, e também entre esses órgãos e a mente. Mas além disso penso que a interação com o mundo 3 sempre precisa da mente no seu estado relevante – embora, como os exemplos da aprendizagem da fala, leitura e escrita mostram, uma grande parte do trabalho mais mecânico de codificar e decodificar podem ser assumidos pelo sistema fisiológico, que realiza trabalho semelhante em relação aos órgãos dos sentidos.

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Valores (principles or standards of behavior) emergem junto com problemas; não podem existir valores sem problemas. Os valores e os problemas não podem ser derivados ou obtidos dos fatos, embora eles normalmente dizem respeito a fatos ou estão conectados a fatos.
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Desse modo, se está certo presumir que outrora havia um mundo físico desprovido de vida, esse mundo deveria ser, suponho, um mundo sem problemas e portanto sem valores. Normalmente se insinua que os valores entram no mundo somente com a consciência. Essa não é minha visão. Penso que valores entram no mundo com a vida; e se existe vida sem consciência (como penso que pode bem existir, mesmo em animais e homens, como, por exemplo, em um sono sem sonhos) então, sugiro, vão existir valores objetivos, mesmo sem consciência.

Existem então dois tipos de valores: valores criados pela vida, por problemas inconscientes, e valores criados pela mente humana, com base em soluções anteriores, na tentativa de resolver problemas mais ou menos compreendidos.
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O núcleo mais íntimo do mundo 3, como percebo, é o mundo de problemas, teorias, e críticas. Embora valores não pertençam a este núcleo, ele é dominado por valores: os valores da verdade objetiva, e de seu crescimento.
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Para todo valor proposto levanta-se o problema: É verdade que isso seja um valor?

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Nós generalizamos a ideia de um mundo 3 humano de tal modo que esse mundo 3 compreendesse não apenas os produtos do nosso intelecto, junto com as consequências não intencionais que emergem deles, mas também os produtos da nossa mente num sentido muito mais amplo; por exemplo, os produtos da nossa imaginação. Mesmo as teorias, produtos do nosso intelecto, provêm da crítica de mitos, que são produtos da nossa imaginação: as teorias não seriam possíveis sem mitos; nem a crítica seria possível sem a descoberta da distinção entre fato e ficção, ou verdade e falsidade. Essa é a razão porque mitos e ficções não devem ser excluídos do mundo 3. Então fomos levados a incluir arte e, de fato, todos os produtos humanos em que injetamos algumas de nossas ideias, que incorporam o resultado da crítica (em um sentido mais amplo do que crítica meramente intelectual). Nós mesmos podemos ser incluídos, pelo fato de que nós absorvemos e criticamos as ideias dos nossos predecessores, e tentamos criar a nós mesmos; e também podem ser incluídos no mundo 3 nossos filhos e alunos, nossas tradições e instituições, nossos modos de vida, nossos propósitos, e nossas metas.
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Um dos erros graves dos filósofos contemporâneos é não ver que essas coisas – nossa prole – embora sejam produtos de nossa mente, e recaiam sobre nossas experiências subjetivas, têm também um lado objetivo. Um modo de vida pode ser incompatível com outro modo de vida quase no mesmo sentido que uma teoria pode ser incompatível com outra. Essas incompatibilidades estão lá, objetivamente, mesmo se as ignorarmos. E assim nossos propósitos e nossas metas, como nossas teorias, podem competir, e podem ser discutidas e comparadas criticamente.
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Admitindo que o mundo 3 se origina de nós, insisto em sua considerável autonomia, e na sua imensurável repercussão em nós. Nossas mentes, nossas personalidades, não poderiam existir sem isso; elas estão ancoradas no mundo 3. Nós devemos, à interação com o mundo 3, nossa racionalidade, a prática de pensamentos críticos e autocríticos e ações. E nós devemos a isso nossa relação com nossa tarefa, com nosso trabalho, e seus reflexos em nós.
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A visão expressionista é que nossos talentos, nossos dons, e talvez nossa educação, e assim toda nossa personalidade, determinam o que fazemos. O resultado é bom ou mal, de acordo com nós sermos ou não personalidades dotadas ou interessantes.
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Em oposição a isso sugiro que tudo depende do tira e põe (give-and-take) entre nós mesmos e nossa tarefa, nosso trabalho, nossos problemas, nosso mundo 3; tudo depende da repercussão desse mundo em nós, do feedback, que pode ser amplificado por nossa crítica ao que temos feito. É por meio da tentativa de ver objetivamente o trabalho que temos feito – isso é, vê-lo criticamente – e fazê-lo melhor, por meio da interação entre nossas ações e seus resultados objetivos, que podemos transcender nossos talentos, e a nós mesmos.
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Como com nossos filhos, com nossas teorias, e finalmente com todo trabalho que fazemos: nossos produtos tornam-se em grande parte independentes de seus criadores. Podemos obter mais conhecimento de nossos filhos ou de nossas teorias do que nós transmitimos a eles. É assim que podemos nos elevar do pântano de nossa ignorância; e contribuir para o mundo 3.
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Se estou certo na minha conjectura de que podemos crescer, e nos tornar nós mesmos, somente na interação com o mundo 3, então o fato de que todos nós podemos contribuir para esse mundo, mesmo que muito pouco, pode confortar a todos; e especialmente quem sente que na batalha de ideias tem encontrado mais felicidade do que poderia merecer.

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Abram os olhos e vejam como o mundo é bonito, como somos sortudos em estar vivos!

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Vamos nos desarmar e abandonar a polarização em esquerda e direita. Vamos viver em paz e desfrutar nossas responsabilidades.

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Desafio que faço a uma certa crença.... A crença que nosso desenvolvimento intelectual ultrapassou nosso desenvolvimento moral...Em suma: a crença de que somos inteligentes, porém maus – mistura que constitui a origem de nossos problemas.
Pretendo sustentar exatamente o contrário...
Somos bons – talvez bons demais –, porém um tanto estúpidos – mistura que constitui a origem de nossos males...

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