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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Os Miseráveis, Primeira Parte (Fantine)


Em 1815, era Bispo de Digne o Sr. Charles-François-Bienvenu Myriel, um velho com mais ou menos 75 anos de idade, que aí residia desde 1806.

Assim começa a narrativa de Os Miseráveis, de Victor Hugo, livro dividido em cinco Partes (Fantine; Cosette; Marius; O idílio da Rua Plumet e a epopeia da Rua Saint-Denis; Jean Valjean). Acabo de ler a Primeira Parte, Fantine, na ótima edição da CosacNaify.

Embora as 50 páginas iniciais deem notícia da vida do Bispo desde sua chegada a Digne, em 1806, não é por acaso que a narrativa começa com o ano de 1815. É neste ano que o embrutecido Jean Valjean, ex-presidiário e ladrão, vai se encontrar com o misericordioso Bispo de Digne, Dom Bienvenu. O impacto do encontro marca o início de uma nova vida para Jean Valjean, o protagonista de Os Miseráveis. É em 1815, e na 51ª página, que começa propriamente a história do livro, a história do ex-forçado Jean Valjean depois de ser transformado pela fé no Deus de D. Bienvenu, cujo nome é Misericórdia.


Ó Vós que sois!
O Eclesiástico vos chama de Onipotência; os Macabeus, de Criador; a Epístola aos Efésios, de Liberdade; Baruc, de Imensidade; os Salmos, de Sabedoria e Verdade; João, de Luz; os Reis, de Senhor; o Êxodo, de Providência; o Levítico, de Santidade; Esdras, de Justiça; a criação vos chama de Deus; o homem, de Pai; mas Salomão diz que sois Misericórdia, e é este o mais belo de todos os vossos nomes.


Fantine é uma linda jovem costureira de Paris que nasceu e cresceu sozinha nas ruas da pequena Montreuil-sur-Mer. Depois que é abandonada pelo amante com a filha Cosette, de dois anos, Fantine resolve voltar à cidade natal e procurar emprego. Deixa a filha em Montfermeil aos cuidados do casal Thénardier até que consiga se estabelecer em Montreuil-sur-Mer. Mas suas tolices, a ambição dos Thénardier, as fofocas e a impiedade do povo da cidadezinha levam Fantine à degradação, e ela não mais conseguirá rever Cosette.


O ajuste estava concluído. A mãe passou a noite no albergue, deu o dinheiro e deixou a criança. Tornou a atar o saco de roupas, quase vazio e muito mais leve, e partiu no dia seguinte, contando voltar o mais depressa possível. É tão simples calcular essas partidas, mas que desesperos não provocam!
Uma vizinha dos Thénardier encontrou essa mãe que se afastava e voltou dizendo: 
– Vi uma mulher chorando que fazia dó. 


Quando Fantine chega à Montreuil-sur-Mer, a cidade goza da prosperidade provocada pelo espírito empreendedor e pela bondade de um forasteiro, o desconhecido Sr. Madeleine. Apenas Javert, o inspetor, desconfia do Sr. Madeleine, que na realidade é um disfarce do perigoso Jean Valjean, que escondeu seu nome para iniciar uma nova vida. Javert, ao que parece, vai perseguir Valjean por todo o livro.  Como o protagonista, o rígido Javert também é capaz de se sacrificar por algo que entende ser maior do que ele mesmo. Só que o Deus de Javert chama-se Ordem, e a Misericórdia para ele é uma fraqueza perigosa.

Este homem se compunha de dois sentimentos muito simples e relativamente bons, mas que ele tornava maus, tanto os exagerava: respeito à autoridade e ódio a qualquer rebelião; a seus olhos, o roubo, o assassínio e todos os crimes não passavam de formas de rebelião. Ele envolvia numa espécie de fé cega e profunda tudo o que tem uma função no Estado, desde o Primeiro Ministro até o Guarda Campestre. Cobria de desprezo, de aversão e tristeza tudo que houvesse transposto, por uma vez sequer, o limite legal do crime. Era absoluto e não admitia exceções de espécie alguma. […] Era estoico, sério, austero; um pensador triste, ao mesmo tempo humilde e altivo como o são os fanáticos. Seu olhar era um verdadeiro estilete, frio e penetrante. Toda a sua vida se resumia em duas palavras: vigiar e observar.

Mas não é Javert que desmascara Madeleine. O próprio Jean Valjean se entrega para salvar o pobre Champmathieu, que quase é condenado ao ser confundido com ele. O capítulo  A tempestade de uma consciência mostra em detalhes o conflito interno de Jean Valjean na noite anterior  ao  julgamento de Champmathieu, quando a consciência de Valjean se debate, sem conseguir se decidir, no dilema: ou se entrega, e provavelmente voltará ao trabalho forçado nas galés; ou deixa que o Destino siga seu caminho e condene o desconhecido Champmathieu em seu lugar.


Por mais que fizesse, voltava sempre ao cruciante dilema que estava no fundo de sua consciência; “Continuar em seu paraíso transformando-se em demônio! Voltar ao inferno e transformar-se em anjo!”
[…]
Sua indecisão interior tornava-se visível. Caminhava como uma criancinha a quem se larga a mão.
Em certos momentos, lutando contra o cansaço, esforçava-se por recobrar a própria inteligência. Diligenciava formular, pela última vez e definitivamente, o problema sobre o qual, de algum modo, caíra exausto. Seria mesmo necessário que se denunciasse? Ou deveria esconder o seu segredo? Não conseguia ver nada claro. Os vagos aspectos de todos os arrazoados esboçados em sua imaginação tremiam e se dissipavam, um após o outro, como fumaça. Sentia somente que, fosse qual fosse a decisão, seria necessário e inevitável que deixasse morrer alguma parte de sua pessoa; tanto à direita como à esquerda, abria-se um sepulcro; teria de suportar irremediavelmente uma agonia: a agonia da felicidade ou da virtude.
Assim se debatia na angústia aquela alma infeliz. 
Dezoito séculos antes desse pobre homem, o ser misterioso em quem se congregam todas as virtudes e todos os sofrimentos da humanidade, ele também, enquanto as oliveiras tremiam sob o vento feroz do infinito, por muito tempo afastou das próprias mãos o terrível cálice que lhe aparecia, transbordante de sombras e de trevas, na imensidão cheia de estrelas.


Ao final da Primeira Parte de Os Miseráveis, Jean Valjean foge da cadeia – Javert no seu encalço; Fantine é enterrada sem conseguir rever a filha, apesar dos esforços de Valjean; e o Sr. Madeleine, depois de virar assunto de fofoca e maledicência, é esquecido.


É triste não podermos dissimular que, a estas simples palavras: É um forçado, todos o abandonaram. Em menos de duas horas, todo o bem que havia feito foi esquecido; ele não era nada mais que um forçado.
[…]
Os “salões”, então, encheram-se de diálogos semelhantes. Uma velha senhora, assinante do Drapeau Blanc, fez esta reflexão, cuja profundidade é quase impossível de medir:
– Não estou nada admirada. Isso servirá de lição aos bonapartistas!
Foi assim que o fantasma chamado Sr. Madeleine sumiu de Montreuil-sur-Mer. Três ou quatro pessoas apenas, em toda a cidade, se conservaram fiéis à sua memória. Entre essas, a velha porteira que o servira por tantos anos.


Com Os Miseráveis, Victor Hugo criou um mundo que nos permite compreender o nosso mundo. Vou lendo e consultando o Sumário do livro, como a um mapa, para não me perder neste vasto mundo de personagens, ações, conflitos. Um mapa com as indicações em forma de enigmas. Serve mais para retomar o que já foi visto do que para adivinhar o que vai acontecer.

No Sumário mapa, olho minha próxima parada – Segunda Parte: Cosette. De seguro pouco se pode concluir da leitura dos títulos dos Livros e Capítulos. Imagino que Jean Valjean continuará fugindo de Javert e tentará ajudar Cosette, promessa que provavelmente fez à Fantine em seu leito de morte. Novos personagens vão surgir, e alguns, que apareceram brevemente na Primeira Parte, devem ganhar importância.

2 comentários:

  1. Vou acompanhar. Apesar de ter tido em mãos uma edição deste livro nunca o li.

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    1. Jota, quem sabe você não se anima a ler. Porque ainda vai demorar muito até que eu publique algo sobre a segunda parte.

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