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sábado, 12 de dezembro de 2009

NATALINO

“Se negamos nossa própria dor, torna-se fácil descartar a dor alheia”.
(Karen Armstrong)

O Natal é universal. Toda religião é universal. Cada religião tem seus ritos, seus símbolos, suas histórias. Mas os religiosos sabem, ou deveriam saber, que tudo isso são apenas formas de vislumbrar, de remeter a algo que não pode ser definido, que não pode ser totalmente revelado, que não pode ser, em essência, nomeado. Deus nos livre de quem confunde o transcendente com os símbolos particulares de sua religião e defende cruzadas contra as palavras, os ritos, e os mitos das religiões dos outros.

O Natal é comemorado no dia 25 de dezembro, pois no hemisfério norte é nesse dia que o sol, que a cada dia durante o inverno desaparece mais cedo, condenando o mundo às trevas, reverte essa trajetória e volta a iluminar a terra. Comemora-se o nascimento de Jesus como o surgimento de uma luz que vem socorrer um mundo prestes a desaparecer nas trevas. E essa luz é Deus, e Deus é essa luz. Quem não reconhece esse mesmo padrão, revivido de dez mil formas, na arte ou dentro de si mesmo? Quem não tem intimidade com um mundo que progressivamente perde a luz, se descolore e parece fadado a sucumbir à falta de sentido? Um mundo que, no entanto, volta milagrosamente a ser iluminado, volta a fazer sentido sem que se saiba exatamente como nem por que.

Mas cada luz que nasce é sempre breve. Novamente irá sofrer, enfraquecer e morrer. Jesus morre crucificado. Quando as mulheres vão procurar pelo seu corpo, lhe falam: “Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo?” Dois discípulos tristes com a morte de Jesus encontram um desconhecido que lhes fala sobre a mensagem das escrituras, sem que isso possa lhes animar. Apenas quando esse desconhecido reparte o pão, os discípulos vêem Jesus aparecer diante deles, para logo desaparecer. Pois Deus não nasceu quando Jesus nasceu nem morreu quando ele morreu. Deus (ou o Bem, ou o Amor, ou o Tao, ou o Nirvana, ou Buda, ou Alá, ou Brahman) está em cada um de nós e em cada fenômeno do mundo, embora muitas vezes só possa ser visto como ausência. E aparece quando dois ou três homens se reúnem e dividem o pão, não importa em que época, em que lugar ou as palavras que eles falem.

Será que também hoje não vivemos dias tão sofridos, em que as trevas avançam, e as disputas religiosas nos põem diante da escolha entre viver sem religião ou viver com uma religiosidade em que os símbolos são distorcidos a tal ponto em que mais escondem do que revelam Deus? Será que devemos procurar entre os mortos o que está vivo? Ou será que é tempo de nascer também uma nova forma de religiosidade, que na realidade é a velha e original forma adaptada aos tempos de hoje?

Nessa época natalina, vejo a estrela de Belém indicando o livro “A escada espiral”, de Karen Armstrong. A autora apresenta, por meio de suas memórias e de seus dilemas pessoais, os dilemas da modernidade diante da religião, e aponta um caminho. Além do livro indicado, Karen Armstrong já escreveu livros de divulgação das principais religiões do mundo, para que muçulmanos, cristãos, judeus, e budistas, condenados ou abençoados pela história a dividirem o mesmo mundo, possam não se matar uns aos outros, mas se entender e dividir o pão:

“O que nosso mundo precisa agora não é crença nem certeza, mas compaixão ativa e respeito, expresso na prática, pelo valor sagrado de todos os seres humanos, inclusive de nossos inimigos.”
(texto escrito em dezembro de 2007)

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