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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Festa para a chegada da Ilíada e da Odisseia à Língua Portuguesa

Tal como quando na chegada de um amigo querido que esteve longo tempo em viagem prepara-se uma festa com muito vinho e boa música; assim os amantes de literatura que lêem em português deveriam dar uma grande festa para celebrar as traduções da Ilíada e da Odisseia feitas por Frederico Lourenço para as Edições Cotovia. Pois depois de mais de dois mil e quinhentos anos de aventura, os versos de Homero que sustentam a literatura chegam finalmente com vigor e fluência às praias da língua portuguesa.

Antes de embarcar na Odisseia, estou lendo a Ilíada. A Ilíada se concentra em um pequeno período durante a guerra de Tróia, que vai do desentendimento de Aquiles com o chefe das forças gregas, Agamémnom, passando pela luta entre Heitor e Aquiles, em que este mata Heitor em vingança da morte de seu amigo Pátroclo, e terminando com os funerais de Heitor, depois do acolhimento de Aquiles ao pai de Heitor, Príamo, que viera desarmado a sua tenda pedir o corpo do filho ao inimigo. Espalhados pelos seus 16 mil versos, o poeta lança mão de comparações, que servem não só para reforçar os fatos narrados, mas também para ampliar o universo do poema, com observações precisas sobre a natureza e as atividades do homem. Veja dois exemplos de comparações, ou símiles, retirados da Ilíada:

Porém no meio da planície alguns ainda fugiam como vacas
que um leão pôs em fuga no negrume da noite; a todas pôs
em fuga, mas é a uma que aparece a morte escarpada:
primeiro com sua dentição possante lhe agarra o pescoço,
e depois devora-lhe o sangue e todas as vísceras.
Era assim que o Atrida, o poderoso Agamémnom,
os perseguia, sempre a matar os da retaguarda em fuga.
(Canto XI, versos 172-178)

Ora de forma alguma Ájax, célere filho de Oileu,
se afastava de Ájax Telamónio, nem por pouco tempo.
Mas tal como em terra de pousio dois bois cor de vinho
com ânimo idêntico puxam o arado articulado e da base
dos cornos brota o suor em grande abundância;
e a ambos só o jugo bem polido mantém afastados,
esforçando-se na terra até o arado cortar o termo do campo –
assim se posicionaram os dois Ajantes, um ao lado do outro.
(Canto XIII, versos 701-708)

A composição de Homero não pode ser elaborada sem ajuda da escrita. Embora grande como um romance, toda a narrativa compõe uma estrutura elaborada e coesa. Os grandes acontecimentos do épico estão amarrados com versos antecipatórios espalhados por todo o poema. O caminho de Pátroclo até a morte é exposto em seus pequenos detalhes, com versos inseridos com precisão ao longo das batalhas entre os gregos e os troiano. Nessa estrutura, também impressiona o contraste entre o conhecimento do narrador a respeito dos desígnios de Zeus e a situação trágica dos personagens que tomam decisões no escuro a cada momento, sem nunca saberem com certeza as intenções do poderoso Zeus. O narrador tem intimidade com Zeus pelo simples motivo de posicionar-se no futuro e narrar fatos passados e conhecidos, sendo coerente durante toda a narrativa. Os personagens especulam, tateiam como cegos as intenções do destino, mas não fogem à tarefa do homem de decidir sua ação, ou mesmo inação, de acordo com sua consciência a cada momento. Diferentemente do narrador, que sabe, os personagens freqüentemente discordam sobre a interpretação do destino e sobre os valores que devem prevalecer:

“Nenhum homem além do destino me precipitará no Hades,
Porém digo-te não existir homem algum que à morte tenha fugido,
Nem o cobarde, nem o valente, uma vez que tenha nascido.”
(Fala de Heitor no Canto VI, versos 487-489)

“Tídida, vira em fuga os teus cavalos de casco não fendido.
Não percebes que a vitória de Zeus não segue no teu encalço?
Hoje é àquele homem que Zeus Crônida outorga a glória;
No futuro outorgá-la-á de novo a nós, se ele assim entender.
Nenhum homem poderia frustrar o pensamento de Zeus,
Por muito forte que fosse, pois ele é ainda mais poderoso.”
(Fala de Nestor no Canto VIII, versos 139-144)

“...Não penso que o Atrida Agamémnom me persuadirá,
nem os outros Dânaos, visto que não há consideração
para quem luta permanentemente contra homens inimigos.
Igual porção cabe a quem fica para trás e a quem guerreia;
na mesma honra são tidos o cobarde e o valente:
a morte chega a quem nada faz e a quem muito alcança....”
(Fala de Aquiles, recusando-se a guerrear, no Canto IX, versos 315-320)

“Meu amigo, se tendo fugido desta guerra pudéssemos
viver para sempre isentos de velhice e imortais,
nem eu próprio combateria entre os dianteiros
nem te mandaria a ti para a refrega glorificadora de homens.
Mas agora, dado que presidem os incontáveis destinos
da morte de que nenhum homem pode fugir ou escapar,
avancemos, quer outorguemos glória a outro, ou ele a nós.”
(Fala de Sarpédon a Glauco, incitando à luta, no Canto XII, versos 322-328)

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