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terça-feira, 16 de novembro de 2010

Haroun e o Mar de Histórias, de Salman Hushdie

Em Alefbey havia uma cidade tão triste, tão triste – que seus moradores tinham esquecido até o nome dela. A principal atividade econômica da cidade era fabricar tristeza, produto de grande demanda no mundo inteiro. Mas nessa cidade triste vivia Haroun, um menino feliz de 12 anos. Seu pai era o contador de histórias Rashid, conhecido como o Mar de Ideias, ou o Xá do Blá-blá-blá. E sua mãe, Soraya, cantava canções que voavam pelo ar. 

Foi então que alguma coisa deu errado. (Quem sabe a tristeza da cidade acabou penetrando pelas janelas da casa?) A mãe de Haroun fugiu com o vizinho, o Sr. Sengupta, e o pai não consegue mais contar histórias.

Haroun e o mar de histórias, de Salman Rushdie,  é um livro encantado para crianças de todas as idades. A aventura começa e se desenvolve em torno de uma pergunta incômoda para Haroun, o filho do contador de histórias: “E para que servem essas histórias que nem sequer são verdade?” Foi essa pergunta que Haroun ouviu o Sr. Sengupta, o vizinho, fazer a sua mãe.

Haroun não gostava nem um pouquinho do Sr. Sengupta, um homem que odiava histórias e contadores de histórias, mas não conseguia tirar a terrível pergunta da cabeça. E quando sua mãe Soraya fugiu de casa com o Sr. Sengupta, deixando um bilhete em que acusava o marido de viver no mundo do faz-de-conta, Haroun perdeu a calma e gritou com seu pai: "Pra que serve tudo isso? Pra que servem essas histórias que nem sequer são verdade?"

Haroun queria pegar suas palavras de volta, arrancá-las de dentro do ouvido do pai e enfiá-las de volta na sua própria boca; mas naturalmente isto era impossível. E foi por isso que pôs a culpa em si mesmo quando, logo depois, nas circunstâncias mais constrangedoras que se possa imaginar, aconteceu Algo Impensável: Rashid Khalifa, o fabuloso Mar de Ideias, o lendário Xá do Blá-blá-blá, postou-se diante de um vasto público, abriu a boca, e descobriu que não tinha mais histórias para contar.

Rashid não sabia dizer para que serviam as histórias que contava. Mas Kattam-Shud, o líder dos Tchupwalas, o Mestre do Culto de Bezaban, sabia muito bem por que estava envenenando o mar de histórias, por que queria colocar uma rolha na fonte de histórias e parar o interminável fluxo de fios de histórias: as histórias são divertidas, fazem as pessoas imaginar.

“O mundo, porém, não é feito para ninguém se Divertir”, respondeu Khattam-Shud. “O mundo é para se Controlar.” 

Haroun e o mar de histórias conta a aventura de Haroun em Kahani, a segunda Lua da Terra, para recuperar o dom de contar histórias do seu pai. Lembra Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, pelo humor, pela aventura de uma criança em um lugar fabuloso, e pelas brincadeiras com a linguagem e com a lógica.


Minha pequena defesa das grandes histórias

O rebaixamento, ou mesmo o fim das histórias, nem sempre é imposto por uma ditadura. Às vezes uma pessoa, ao ficar adulta, não quer saber mais de histórias, de ficções, pois tem muito o que fazer, muito o que conquistar, muitas batalhas importantes e sérias; não pode se distrair com essas histórias que nem sequer são de verdade. Gerações quase inteiras se entregam a um pragmatismo insosso.  Modificam as histórias existentes para transformá-las em lições de moral para as crianças. Os adultos, pelo menos os normais, que têm uma tarefa importante a cumprir, não devem perder tempo com esses contos da carochinha. 

Eu, de minha parte, pelo menos agora, com 43 anos, não conheço nada mais real e importante para os seres humanos de todas as idades do que as histórias. Durante todo o ensino deveria haver muito tempo para ler e contar histórias, para reinventar as histórias, de modo livre, sem contextualização, sem teorização, sem enchê-las de informação até ficarem chatas. Principalmente nas universidades há urgência de literatura. Que tristes profissionais sem imaginação formaremos sem as histórias? Também os pais, as mães, os políticos, os engenheiros, os advogados, os médicos, todos deveriam ser obrigados a ler livros de histórias. A quem me falasse que isso seria uma loucura, que este mundo das histórias não é o mundo real, eu responderia como Tagarela, uma Pagem-Página da Guarda Real da Cidade de Gup: 

- Ah, não é real, este mundo das histórias? Esse é o problema de vocês, que vêm dessas cidades tristes: na opinião de vocês um lugar tem de ser horroroso e insosso como água da pia pra vocês acreditarem que é real.

Um comentário:

  1. Não tenho muito o que comentar. Apenas que achei a reflexão perfeita e muito oportuna. Parabéns!

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