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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Uma duas, de Eliane Brum

Uma duas, de Eliane Brum, é uma saga familiar. Uma saga familiar com a estranheza do nosso tempo. Não há irmãos, irmãs, tios, primos, romances, nem grandes acontecimentos. Apenas uma mãe e uma filha, e uma longa história de crimes silenciosos ocultos entre paredes.

Mas por que filha e mãe derramam na tela do computador e em um caderno sem pauta seu sangue, seu mijo e seu ódio? Fatos e pensamentos que deveriam estar escondidos. Duas vidas miseráveis que não interessam a ninguém. Duas vidas que expõem a podridão que diariamente tentamos disfarçar debaixo da superfície limpa e cheirosa de nossas máscaras.

Talvez porque elas (como nós) desejem se salvar. Encontrar um sentido para o mal-entendido que foi suas vidas. E se encontrar. Tomar posse de sua existência. Antes de morrer. Ou para viver.

Com as histórias de Laura e Maria Lucia, Eliane Brum escreveu um livro denso com 175 páginas essenciais. Cada frase curta vai além dela mesma e se revela em novos significados até o fim do livro. Uma duas é para ser lido e relido ao longo da vida.

É um mergulho (na piscina, na privada, na carne, no útero). A experiência de ler Uma duas é como um afogamento. Nossa cabeça é empurrada para o fundo onde não podemos respirar. Onde há dor, medo e desejo. Mas antes que tudo se apague, somos puxado pelos cabelos de volta à superfície.

Podem ficar tranquilos, tem vontade de gritar. Minha tragédia não vai denunciar ninguém. Eu apenas preciso chegar em casa e tomar um banho. E então, pronto, estaremos todos salvos. (pg. 25)

Acho que não tenho alma alguma. Se tenho, a carne está colada nela e não vai deixá-la ir sem antes arrancar um pedaço. (pg. 140)

Eu a salvei, mas a salvei de mim mesma. Fui ao mesmo tempo sua assassina e sua heroína. E acredito que é isso que todas as mães são em alguma medida. (pg. 144)

Quero agradecer a este caderno por não ter linhas. Se eu tivesse sabido a tempo que era tão simples, que existiam cadernos sem pauta onde cabe tudo, talvez eu pudesse ter tido uma outra vida. (pg. 145)

Quando ela cessar de respirar, será como mágica ao contrário (pg 152)


E o que há ali é uma filha e uma mãe na antessala da morte que acabaram de descobrir que tudo foi um grande mal-entendido. E agora o tempo acabou. (pg. 153)

Fico fascinada com a quantidade de horror que a normalidade nos assegura dia após dia. (pg. 161)


Tenha uma boa vida, ela diz. Ter uma vida já me basta, quero dizer. (pg. 172)

É mais um dia normal. E ela não é mais ou menos normal do que os outros todos. Sabe disso agora. É o segredo deles. Dela também, agora que consegue se camuflar na luz. (pg. 173)


Sabe agora que vai sobreviver. A vida só é possível na superfície. Boa semana, a moça ainda diz. Para você também. (Pg. 174)

2 comentários:

  1. Eu já tive o prazer de ler a obra prima que não termina dentro do meu coração...as palavras dela ainda ecoam em mim...derrubaram muros e fizeram um estrago...livro bom é assim, tem que tirar a gente do cômodo lugar em que sempre nos colocamos...eu amei!!

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  2. Izanoa, obrigado por comentar. Não deixe de ler, também da Eliane Brum, o fundamental O olho da rua.

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