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domingo, 21 de março de 2010

EXTRAVIADO

Alguém leu Bartleby?

É um conto de Herman Melville, autor dos excelentes Billy Budd e Moby Dick. O narrador é um advogado que se orgulha de ser prudente e organizado. Acha que a vida boa é a vida fácil, por isso não quer fama nem muita agitação, mas apenas um trabalho em que ganhe o suficiente com tranqüilidade. Ele organiza até as esquisitices dos seus dois copistas. Quando ele precisa de um terceiro, contrata um de aparência muito calma para contrabalançar as excentricidades dos outros. Só que esse terceiro é Bartleby, cuja apatia sempre aumenta, fugindo a qualquer tentativa de organização. Achei fantástico o jogo das tentativas do narrador de integrar o estranho Bartleby ao seu mundo, achar uma solução para uma situação que sempre escapa às suas investidas.

O que escrevi acima foi pensando no narrador. Afinal, é fácil se identificar com ele. Quem não está procurando organizar o mundo e achar uma maneira de ter um convívio agradável com os outros? Quem, como ele, não quer ficar em paz com a sua opinião a respeito de si e também com a opinião dos outros, embora muitas vezes seja difícil conciliar as duas coisas?

Mas de repente comecei a pensar em Bartleby. Imaginei que o personagem se apossasse do meu corpo. No começo foi divertido. Imaginei-me comprando um biombo e construindo um eremitério em volta da minha mesa de trabalho, de modo que ninguém visse o que estou fazendo. Imaginei o chefe me passando um serviço e eu respondendo calmamente: "eu preferia não fazer isso". Até aí foi engraçado.

Depois imaginei todos indo embora do trabalho e eu ficando no meu eremitério. A cidade vazia. O silêncio. As luzes são apagadas. O segurança da ronda noturna assustado vê que estou no trabalho e diz: "você tem que ir embora". Respondo simplesmente: "preferia ficar aqui". Ele não sabe o que fazer e sai para informar algum superior.

Na minha casa a minha esposa já está desesperada. O telefone tocou diversas vezes, mas não atendo. Estou ausente. No dia seguinte, avisam em casa que fiquei no trabalho. Vem esposa, traz os meus filhos que choram. Querem saber o que aconteceu. Não explico: "prefiro ficar aqui". Logo a família fica mobilizada: vem irmão, mãe e todos sem saber o que fazer comigo.

Que agonia!! A minha, ao imaginar-me em tal situação, não de Bartleby, que estaria completamente indiferente a tudo e a todos: "eu preferia ficar aqui". Levam-me, sem resistência de minha parte, para um hospício, onde fico o dia inteiro olhando para uma parede, sem comer nada. Neste ponto entendi a expressão que o narrador usou de homem extraviado. É como se Bartebly tivesse soltado todos os fios invisíveis que nos une aos outros e à nossa própria individualidade. Por isso ele é incapaz de maldade, mas também de qualquer outro sentimento. Ele está ausente, extraviado.

(Texto de novembro de 2007)

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