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domingo, 21 de março de 2010

OS FILHOS DA MEIA-NOITE, de Salman Rushdie

Nos últimos quatro anos reservei um tempo sagrado no meu dia para a leitura. Desde então leio sem parar. Compro mais livros do que consigo ler, e faço anotações de livros e autores que quero ler. Mas Salman Rushdie nunca esteve na minha estante nem nas minhas listas. Até que li alguém recomendando “Haroun e o Mar de Histórias”. O livro pequeno, destinado ao público juvenil, me pareceu uma boa porta para entrar no universo do escritor angloindiano. Acontece que minha livraria virtual oferecia como aperitivo o primeiro capítulo – “O lençol furado” – do premiado “Os Filhos da Meia-Noite”. Baixei no computador e resolvi conferir.

O narrador, Salim Sinai, informa que nasceu em Bombaim à meia-noite do dia 15 de outubro de 1947, no momento exato em que a Índia se tornou independente. Esse fato de maneira misteriosa acorrentou indissoluvelmente o seu destino à história do país. Salim Sinai tem sido um “engolidor de vidas”, e para entendê-lo o leitor terá de ouvir todas as histórias que tem dentro de si. Com 31 anos e o corpo desgastado, não podendo contar com 1001 noites e sem esperanças de se salvar, ele precisa trabalhar depressa, mais depressa que Sherazade. Seu objetivo é contar alguma coisa que faça sentido. Pois, admite, acima de tudo tem medo do absurdo.

Guiado por um lençol branco com um buraco no meio de mais ou menos 17 cm de diâmetro, seu talismã, seu abre-te-sésamo, Salim inicia sua viagem narrativa. Estamos na Caxemira, 37 anos antes de seu nascimento, junto a seu avô Aadam Azis, que aos 25 anos retorna médico depois de 5 anos de estudo na Alemanha. Aadam bate o volumoso nariz num montículo de terra endurecida pela neve enquanto tentava rezar. Naquele momento de dor, “ele decidiu que nunca mais voltaria a beijar a terra por nenhum deus ou homem. Essa resolução, entretanto, criou um buraco dentro dele, um vazio numa câmara vital interna, deixando-o vulnerável às mulheres e à história”. Em seguida, um fazendeiro viúvo o chama para examinar sua filha. O casarão é mal cuidado e escuro, o fazendeiro é cego e quem os guia é uma mulher musculosa. Finalmente entra no quarto da paciente e vê apenas um enorme lençol branco, como uma cortina, segurado nas pontas por outras duas mulheres com porte de lutadoras. Seu anfitrião avisa que a filha está do outro lado do lençol, de modo que só será permitido ao médico ver através do buraco o necessário para cuidar de sua doença. Espantado, Aadam pergunta de que ela se queixa. O fazendeiro diz que a pobrezinha sente muita dor no estômago. O médico, então, pede que a paciente lhe mostre o estômago.

O primeiro capítulo acabou e eu estava enfeitiçado como uma criança; queria saber o que vinha depois. Assim que pude fui a uma livraria, achei “Os Filhos da Meia-Noite” na estante e comecei a ler o segundo capítulo – “Mercurocromo”. Salim Sinai conta como as dores da filha do fazendeiro se seguiam, cada vez em um lugar diferente. Como seu avô foi ficando apaixonado pela sua paciente. “Assim, aos poucos, o Dr. Aziz veio a formar uma imagem mental de Nasim, uma colagem desconjuntada das partes inspecionadas aos pedaços. Esse espectro de uma mulher seccionada começou a persegui-lo, e não apenas em sonhos. A imaginação do médico colava os fragmentos, e a moça o acompanhava por toda a parte, passando a morar na sala de estar de sua mente, de modo que, acordado ou dormindo, sentia na ponta dos dedos a maciez de sua pele coceguenta, ou os minúsculos pulsos perfeitos, ou ainda a beleza dos tornozelos; sentia o perfume de lavanda e chambeli; escutava-lhe a voz e o riso de garotinha; no entanto, ela não tinha cabeça, pois o médico nunca lhe vira o rosto”.

Não precisei ler mais nada, comprei o grosso volume de 600 páginas e tenho-o aqui comigo. Imagino que ali dentro repousam mil saborosas e fantásticas histórias. Quero ler esse livro bem lentamente, saboreando e sonhando com cada história revelada através do buraco circular de cada um de seus 30 capítulos. Quem sabe consiga, além da beleza das partes, vislumbrar algum sentido. Pois confesso: eu também tenho medo do absurdo.

Explore o conteúdo no site da Livraria Cultura!!!

(Texto de março de 2007)

2 comentários:

  1. Amei seu texto.
    Adoro Salman Rushdie.
    Não sei se vc já leu O último suspiro do mouro. É fantástico, gosto tanto desse livro que mal encontro palavras para descrevê-lo.
    Um abço.

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  2. Adriana, obrigado pelo comentário.
    Não li O último suspiro do Mouro. Mas pelo seu comentário já quero ler.
    Do Salmam Rushdie li recentemente Haroun e o Mar de Histórias, que adorei e comentei no blog.
    Agora estou lendo o Livro das Mil e Uma Noites (ed. Globo, vol. 1) e Metamorfoses, de Ovídio (ed. Cotovia), acho que por influência do Rushdie. Quero ir nas fontes deste fluxo interminável de histórias maravilhosas que acredito que podem nos salvar.
    Olha o que Sharazad falou para Dinarzad:
    "Então eu contarei para vocês histórias que serão o motivo da minha salvação e da liberdade de toda esta nação, pois farão o rei abandonar o costume de matar suas mulheres."

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