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domingo, 21 de março de 2010

IDÉIAS

Livros & Idéias. Os bons observadores devem se recordar que este espaço se chamava “Eu recomendo”. Acontece que no mês passado mandei um artigo em que não recomendava nenhum livro. Foi preciso então mudar o nome da seção. E essa é a primeira vez que me encontro diante do desafio de escrever alguma coisa que caiba em Livros & Idéias. Talvez seja uma boa idéia esclarecer um pouco esta palavra: idéia.

Idéia ou pensamento é o que nos diferencia dos outros animais, é a habilidade que se mostrou tão eficiente para a nossa sobrevivência, que pudemos lentamente abdicar de outras armas, como garras, pele grossa, dentes afiados, rabo, força e agilidade. Assim como não é próprio do olho olhar a si mesmo, não é comum a idéia tomar a si mesma como objeto. Por isso, não é de se estranhar que no século XVIII, quando David Hume empreendeu sua investigação sobre o entendimento humano, não encontrou no vocabulário inglês expressões que dividissem em dois grupos distintos o que percebeu como sendo duas espécies de percepções da mente. Usou então a palavra impressões para designar as percepções mais vívidas da mente no presente, que experimentamos sempre que vemos ou ouvimos algo, ou quando sentimos dor, ou ódio, ou fome, ou amor. E manteve a palavra idéia ou pensamento em seu sentido usual, para designar as percepções menos vívidas que são representações mentais conscientes da dor, do ódio, da fome, do futuro, do passado, de algo concreto ou fictício.

Mesmo as idéias mais atraentes e boas não passam de hipóteses, conjecturas, ficções. O primeiro homem que se tem notícia que teve a idéia de que o homem não pode ter certeza de quase nada, mas apenas procurar se aproximar da verdade através de hipóteses e da descoberta de erros foi Xenófanes, um rapsodo que viveu na Grécia antiga no século VI a.C. Como rapsodo, vivia de declamar Homero e Hesíodo. Depois passou a compor seus próprios poemas, e, de acordo com um dos fragmentos que sobreviveram, passou 67 anos fazendo vagar seu pensamento pela terra da Hélade. Reproduzo os fragmentos mais significativos para entender o que Xenófanes pensava a respeito das idéias:

Verdade segura jamais homem algum conhecerá
Sobre os deuses e todas as coisas de que falo.
Se alguém alguma vez proclamasse a mais perfeita verdade
Não o poderia saber: está tudo entretecido de conjectura.
(...)
Os deuses não revelaram tudo aos mortais desde o início.
Mas no correr do tempo encontramos, procurando, o melhor.
(...)
Essa conjectura é, assim parece, bem semelhante à verdade.
O próximo herdeiro dessas idéias, que exortam à humildade intelectual, contra a presunção e o fanatismo, viveu em Atenas no século V a.C. Sócrates, em praça pública e desarmado, prevenia os homens de seu tempo contra a vaidade de saber pretensamente coisas demais. Para ele, o saber não é uma terra que se conquista e se defende do ataque dos outros com espadas, títulos ou dinheiro, mas um caminho na direção da verdade que apenas se faz tendo a grandeza de admitir a própria ignorância e procurando erros. Assim, quem tem outras idéias não deve ser atacado violentamente, mas encorajado, pois só se podem melhorar as idéias por meio da crítica. Sua maior sabedoria estava na idéia de ignorância: “Sei que não sei quase nada, e mal sei isso”. E, condenado à morte, teria feito um último pedido aos amigos: “punam meus filhos quando eles crescerem, senhores, perturbando-os como eu perturbei vocês; caso lhes pareça que eles se preocupem menos com a virtude do que com dinheiro ou outra coisa qualquer e pensam ser mais do que são, repreendam-nos como eu repreendi vocês por se preocuparem com o que não deveriam e acharem que significam alguma coisa quando não valem nada”.

Talvez o fanatismo que leva alguém a matar por uma idéia tenha a mesma origem de qualquer ódio cotidiano contra pessoas que mal se conhece. Quem odeia acredita piamente que sabe tudo sobre a pessoa odiada, mas na realidade quase tudo que sabe são conjecturas a partir de uma visão muito parcial. Por sua implicação universal, os defensores da idéia de tolerância, de modéstia, da falibilidade das idéias, falam claramente a todos. Para uma visão mais aprofundada e ampla do assunto, recomendo a coletânea de palestras de Karl Popper, reunidas no livro Em busca de um mundo melhor, da editora Martins Fontes. Comecei falando de idéias, e terminei indicando um livro. Parece que assim vai. E críticas são bem vindas no meu e-mail.

(Texto de julho de 2007)

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