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domingo, 14 de março de 2010

O amante de Lady Chatterley, de D.H. Lawrence

Acabei de ler O amante de Lady Chaterley, de D.H Lawrence, da Edições BestBolso. Estava gostando muito do livro durante a leitura, mas confesso que os últimos capítulos e seu desfecho, ou falta de desfecho, me decepcionaram. No início do livro há a publicação de uma carta de Frieda Lawrence, viúva do escritor, em que ela afirma que Lawrence escreveu três versões do romance tão diversas entre si que na realidade constituem três livros diferentes. Não vi o filme Lady Chatterley, de Pascale Ferran, de 2006, mas, segundo informações do site http://www.50anosdefilmes.com.br/, a diretora optou pela segunda versão do livro. Pelos comentários da diretora reproduzidos no site, a segunda versão deve ser melhor que essa terceira. Mas não sei se há tradução para o português.

O livro narra a transformação de Constance, a Lady Chatterley do título. No início, como todos de sua classe social e meio intelectual, ela despreza o corpo e a sensualidade, como resquícios de animalidade que infelizmente ainda sobrevivem no homem e estorvam o vôo do espírito. O livro nesse ponto é frio, como frio sempre será o espírito sem carne. Lady Chatterley e o marido paraplégico, Sir Clifford Chatterley, vivem uma vida intelectual e vazia. O encontro com o guarda-caças do Solar dos Chatterley, Oliver Mellors, e a evolução do caso com o empregado, faz Constance desabrochar. Agora ela despreza toda a artificialidade de classe e a idéia de uma vida do espírito em oposição a uma vida do corpo. Essa transformação fica clara em um diálogo com Hilda, sua irmã mais velha. Hilda continua com as mesmas convicções que dividia com a irmã no início do livro, e acha absurdo o envolvimento amoroso e a empolgação de Constance pelo empregado da propriedade:


― Apesar de tudo, Hilda, o amor é uma coisa maravilhosa... quando se sente a vida, quando nos transportamos ao centro da criação – disse ela em tom de vanglória.
― Não há mosquito que não sinta o mesmo – respondeu Hilda.
― Acha? Oh! Que bom para eles! (pg. 299)

Também Clifford sofre uma transformação: abandona o ofício de escritor e se engaja na tarefa de capitalista, dono de mina de carvão. Preenche a vida com a busca de poder. Há outros personagens da classe alta que, entediados, dedicam a vida à procura de prazeres. Constance ao fim do livro despreza os objetos de culto do homem moderno: o poder, o dinheiro e o prazer.

E as pessoas? Todas a mesma coisa. Todas queriam dinheiro; ou, se eram turistas, queriam prazer a qualquer preço, ainda que fosse esmagando pedras para tirar sangue! Pobres montanhas, pobres paisagens, era preciso esmagá-las, reduzi-las a poeira para extrair delas um pequenino prazer. Que significava toda essa gente com a sua firme resolução de divertir-se?

“Não”, dizia Constance a si mesma, “eu prefiro estar em Wragby, onde posso ir e vir, e ficar tranquila e nada ver e não me divertir. Toda essa vasta empresa de divertir, que é o turismo, não passa de um desastre ambulante”. Constance desejava voltar a Wragby, voltar mesmo a Clifford, o pobre mutilado. Era menos estúpido que a legião dos imbecis em férias. (pg. 317)
Pode-se notar no livro a influência de Nietzsche. Lawrence e Nietzsche escreveram em uma época em que o pensamento puritano predominava, em que o espiritual era visto como algo nobre e separado radicalmente do físico, esse tomado como pecaminoso, baixo. Seu estilo contundente é uma defesa do físico, da aparência, do corpo, da terra, e frequentemente encontramos em seus textos ataques simplórios a Platão, Sócrates e ao Cristianismo, pois esses nomes representavam a busca pela essência, pelo eterno, pelo metafísico, pelo espiritual. Hoje não podemos ser simplistas, pois é difícil dizer o que predomina, o que esmaga o que. Há pessoas esmagadas pelo espírito e outras pela matéria, ou pelos dois. Temos necessidade de Nietzschie e Lawrence, mas também de Platão, Sócrates e Cristo.

Comecei falando de O Amante de Lady Chatterley e cá estou às voltas com discursos. Felizmente não sou escritor de estórias. E é justamente essa a crítica que se faz aos últimos capítulos do livro, pelo menos nessa versão. A história se perde ao final (e mesmo não acontece) em prol dos discursos. Parece que o escritor ficou com pena dos personagens, e isso é o supremo pecado do romancista. Para citar apenas alguns nomes, Shakespeare, Tolstoi, Nelson Rodrigues, assim como seus modelos gregos, não tinham pena dos personagens, pelo menos dentro dos livros. O que seria de Romeu e Julieta sem o desenlace trágico. É preciso que os personagens sofram, errem, morram, sejam assassinados, esmagados, para o leitor se (como)ver.

2 comentários:

  1. Oi, Roberto

    Ao contrário do que você critica no livro, o final de sua crônica foi fantástico; a última frase, perfeita. Esta, um dia desses, será citada.

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  2. Obrigado Branca. Essa última frase tem uma fonte, Nelson Rodrigues, que reproduzo abaixo:
    "Morbidez? Sensacionalismo? Não. E explico: a ficção, para ser purificadora, precisa ser atroz. O personagem é vil, pra que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de cada um de nós. A partir do momento em que Ana Karenina, ou Bovary, trai, muitas senhoras da vida real deixarão de fazê-lo. No “Crime e castigo”, Raskolnikov mata uma velha e, no mesmo instante, o ódio social que fermenta em nós estará diminuído, aplacado. Ele matou por todos. E, no teatro, que é mais plástico, direto, e de um impacto tão mais puro, esse fenômeno de transferência torna-se mais válido. Para salvar a platéia, é preciso encher o palco de assassinos, de adúlteros, de insanos e, em suma, de uma rajada de monstros. São os nossos monstros, dos quais eventualmente nos libertamos, para depois recriá-los.”
    (Nelson Rodrigues, Manchete, 15/6/1957, para apresentar a peça “Perdoa-me por me traíres”)

    Um abraço,
    Roberto

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