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domingo, 21 de março de 2010

TRIÂNGULO AMOROSO

Nunca consegui ler vários livros ao mesmo tempo. Geralmente, quando estou lendo um livro, só tenho ele na minha frente. Às vezes acontece de outro aparecer e me pegar de jeito, aí abandono o primeiro. Mas, por acaso, comecei a ler Zorba, o Grego, de Nikos Kazantzakis, e Mente Zen, Mente de Principiante, de Shunryo Suzuki, e eles se entenderam tão bem entre si e comigo que formamos um harmonioso triângulo amoroso.

Em Zorba, o Grego, um escritor de meia idade sente-se miserável por sua vida ter ficado presa nas palavras, entre ideais, livros, abstrações, religiões e sonhos. A luz de seu espírito vacila porque lhe falta carne, como uma vela com pouca cera ou uma fogueira com pouca lenha. Para livrar-se das papeladas e atirar-se à ação, aluga uma mina de linhita e parte para Creta. Já no porto, Zorba o encontra e pede que o leve junto como seu empregado. A partir daí o livro se transforma em Zorba, se rende a Zorba, um homem de 65 anos que só leu um livro (Simbad, o Marujo) e que vive intensamente cada momento de maneira natural, como uma criança experiente. Tudo nele cheira a liberdade – as aventuras do passado, as do presente, o eterno assunto mulher, o trabalho, a comida, a religião, a música, a dança. Nada nele fica parado remoendo. Pergunto-me se é possível alguém ler esse livro e não se render a Zorba.

Mente Zen, Mente de Principiante é uma coletânea das pequenas palestras que o mestre Zen japonês Shunryo Suzuki proferia depois da prática de meditação Zen. Esse livro dialoga muito bem com Zorba, o Grego, pois Zorba é o exemplo vivo de sua doutrina. De quem o mestre Zen poderia estar falando a não ser Zorba quando ensina que devemos deixar de lado todas as idéias preconcebidas para viver o momento. Claro que temos idéias, fantasias, lembramos do passado e planejamos o futuro (tudo isso faz parte de nossa natureza humana), mas temos também que saber deixar tudo isso de lado se quisermos aceitar as coisas como são e receber o presente com naturalidade, liberdade e criatividade.

Os dois, Zorba e o mestre Zen, estão falando a mesma coisa: Criar um ideal profundo e elevado e depois tentar atingi-lo é um engano. Esse ideal pode ser o budismo, o cristianismo, o socialismo, a riqueza, o sucesso, o amor. Eles são belos frutos de nossa imaginação, devemos comê-los e transformá-los em alegria. Cristalizá-los e vê-los como algo sublime que realmente está em algum lugar fora de nós é um engano que transforma a vida, aqui e agora, em martírio. Suzuki diz que “não devemos nos deixar aprisionar por uma parede construída por nós mesmos”. Zorba diz a mesma coisa por meio de um sonho que conta ao narrador:

Tive um sonho. Um sonho gozado. Acho que não tarda muito vou fazer uma viagem: Ouça, você vai rir. Tinha aqui no porto um navio grande como uma cidade. Apitava, pronto para partir. E eu vinha correndo da aldeia para embarcar nele trazendo na mão um papagaio. Chego, subo no navio, mas vem o capitão e grita: “A passagem!” “Quanto custa?”, pergunto, tirando do bolso um punhado de notas. “Mil dracmas.” “Olhe aqui, por favor, não pode deixar por oitocentas?”, perguntei. “Não, mil.” “Eu tenho oitocentas, tome.” “Mil, nenhum centavo a menos. Senão, vá dando o fora depressa!” Então eu me queimei: “Olhe, capitão, no seu próprio interesse, pegue as oitocentas que estou te dando, senão eu acordo, meu pobre velho, e você perde tudo!”
(Texto de fevereiro de 2007)

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